Na Amazônia Legal, o desenvolvimento econômico ocorre de mãos dadas com a floresta. Seja pela pata do boi e outras atividades exaustivas, seja por frutos, sementes, essências e outros produtos da biodiversidade que mantém o ecossistema saudável.  

A economia estimulada por décadas na região e que permanece predominante atualmente baseia-se em setores como agropecuária, mineração e outras atividades intensivas em recursos que esgotam a Amazônia. É por isso que muitas pessoas veem o desmatamento como uma parte necessária e inevitável para o crescimento da economia do país. 

Só que proteger a Amazônia e impulsionar atividades que mantêm a floresta em pé ou que se expandem sobre áreas já desmatadas não significa reduzir o PIB ou retroceder no desenvolvimento. Pelo contrário. 

Nova Economia da Amazônia
capa nova economia da amazônia

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O relatório Nova Economia da Amazônia, liderado pelo WRI Brasil e a New Climate Economy, com participação de mais de 75 pesquisadores de instituições de pesquisa de norte a sul do país, mostra que a Amazônia Legal pode liderar a descarbonização da economia brasileira e manter o crescimento de todos os principais setores sem desmatamento.  

O estudo parte da pergunta: como a Amazônia Legal poderia conduzir a transição para uma economia justa, competitiva e de baixa emissão de carbono? O trabalho mostra de forma inovadora a riqueza da floresta em pé e analisa cenários para a economia da região em 2050. Os principais resultados mostram que manter o modelo atual levaria a emissões de 43,6 GtCO2 até 2050 e desmatamentos de 57 milhões de hectares (equivalente ao território da França), enquanto na Nova Economia da Amazônia não haveria mais desmatamentos e as emissões seriam 5 vezes menores, ou 7,7GtCO2, o necessário para cumprir o Acordo de Paris. 

Com essa rota de baixo carbono e livre de desmatamento, o PIB da Amazônia Legal em 2050 seria R$ 40 bilhões superior à trajetória de crescimento econômico com desmatamento, e seriam criados 312 mil empregos adicionais para os povos locais que dependem da floresta para sua subsistência.

Gráfico mostra os benefícios econômicos e sociais da Nova Economia da Amazônia

Além disso, chegaríamos em 2050 com 81 milhões de hectares a mais de florestas e cerrados, estoque de carbono 19% superior, 13% menos perda de água por escoamento superficial, 16% menos perda de nitrogênio e 18% menos perda de fósforo, aumentando a resiliência da agropecuária e poupando custos com a reposição de fertilizantes. 

A economia da Amazônia Legal estaria muito mais bem estruturada para enfrentar os desafios climáticos deste século. Como a economia da região é muito conectada com o restante do Brasil, através dos fluxos informacionais, financeiros e de insumos e produtos, essas mudanças estruturais exigiriam harmonização de normas, produtos e processos também fora da região, tornando a Amazônia a catalisadora da descarbonização de toda a economia brasileira.  

Veja o que precisa mudar para o Brasil alcançar esse cenário positivo de uma Nova Economia da Amazônia.  

4 mudanças para uma economia sustentável na Amazônia 

A transição para a Nova Economia da Amazônia exigirá transformações importantes em toda a economia brasileira. Acabar com o desmatamento na Amazônia Legal é o primeiro e mais urgente passo, mas sozinho não será suficiente. A região também deve expandir a bioeconomia, mudar para uma agricultura de baixo carbono e descarbonizar sua matriz energética, entre outras ações. Os investimentos totais para financiar a Nova Economia da Amazônia foram estimados em 1,8% ao ano do PIB nacional, contra 1% ao ano no cenário referencial. Dos R$ 2,56 trilhões adicionais exigidos para essa mudança estrutural,  R$ 442 bilhões seriam destinados à agricultura e pecuária de baixa emissão de carbono, R$ 217 bilhões à bioeconomia e restauração, R$ 410 bilhões à matriz energética e outros R$ 1,49 trilhão à infraestrutura.   

1. Expandir a bioeconomia e a restauração florestal 

Investimentos adicionais necessários: + R$ 217 bilhões 

A bioeconomia é um dos setores que gera as melhores oportunidades para desenvolver a economia da região e criar empregos baseados na floresta em pé. O estudo tira essa bioeconomia da invisibilidade, mostrando que se trata de um setor que gera PIB anual de pelo menos R$ 12 bilhões por ano na região. 

Mas qual bioeconomia? Aquela que emerge dos povos originários e tradicionais, que utiliza os recursos naturais e produz bens de consumo mantendo a diversidade biológica, cultural e social. Uma bioeconomia que respeita a biocapacidade do bioma, se desenvolve a partir da floresta em pé e dos rios fluindo, garantindo a distribuição justa de benefícios para pessoas e comunidades locais. 

Há uma imensa variedade de produtos locais que já contribuem para a bioeconomia. O estudo calculou 13 produtos para os quais há dados seguros, e concluiu que mesmo investindo apenas nesta pequena lista, o PIB da bioeconomia da Amazônia Legal cresceria dos atuais R$ 12 bilhões por ano para pelo menos R$ 38,5 bilhões anuais a partir de 2050. O potencial da bioeconomia, no entanto, é muito maior. Apenas para alimentação, os povos indígenas utilizam mais de 270 produtos nativos. 

Entre as atividades incluídas na bioeconomia também está a restauração florestal. O cenário da Nova Economia da Amazônia prevê a combinação de diferentes técnicas para restaurar, até 2050, 24 milhões de hectares de florestas e cerrados necessários para neutralizar as emissões da economia e permitir o país cumprir com suas metas assumidas no Acordo de Paris. Juntas, as atividades da bioeconomia gerariam 833 mil empregos a mais do que a continuidade das práticas atuais, além de serviços ambientais que beneficiariam todo o país.

 

Gráfico mostra os benefícios ambientais e climáticos da Nova Economia da Amazônia

Ganhar escala e expandir a bioeconomia na Amazônia Legal exigirá replicar e expandir os arranjos produtivos que já existem, mas que precisam de incentivos financeiros e de políticas públicas que os favoreçam. O setor privado também precisa aumentar sua capacidade de inovação e tornar-se um impulsionador da nova economia, especialmente da bioeconomia, com novos modelos de financiamento que possam apoiar esse crescimento e a inovação. 

2. Transformar a produção agrícola e pecuária 

Investimentos adicionais necessários: + R$ 442 bilhões 

O setor agropecuário é o mais intensivo em carbono na Amazônia Legal, o que ocorre pela substituição crescente de áreas de floresta por pasto ou plantações. O setor é parte fundamental da economia atual e futura da região, mas precisa ser livre de desmatamento e degradação para manter sua relevância nos próximos 30 anos. A Agropecuária é o setor mais favorecido pelos serviços ecossistêmicos ofertados pela vegetação nativa, especialmente regulação climática e pluviosidade. Mais de 97% da área agrícola e quase a totalidade das pastagens da Amazônia Legal dependem exclusivamente da irrigação proveniente das chuvas.  

De forma geral, a transição na agropecuária precisa ocorrer pela substituição do fator terra por capital e trabalho. Isto é, em vez de expandir sobre a floresta, abrindo novas áreas, é preciso investir e recuperar o que foi degradado, gerando empregos nesse processo.  

Algumas mudanças estratégicas na agropecuária da Amazônia Legal:  

  • Aumentar a eficiência do uso da terra pela recuperação de pastagens degradadas e expansão de sistemas integrados. Atualmente, mais de 40 milhões de pastagens na Amazônia Legal apresentam níveis de degradação de moderada a alta. Exemplos de mudanças são a implementação de Sistemas Agroflorestais, que combinam árvores nativas com cultivos comerciais para reduzir a erosão do solo e melhorar a saúde do ecossistema, e a integração lavoura-pecuária-florestas. 
  • Intensificação de práticas agrícolas de baixa emissão. Técnicas como plantio direto para reduzir a erosão do solo; rotação de culturas para aumentar a saúde do solo; mecanização de baixo carbono; e fixação biológica de nitrogênio. 
  • Reduzir a desigualdade rural oferecendo a pequenos produtores e agricultores familiares acesso prioritário e privilegiado ao crédito e à assistência técnica.  Além de apoiar esses produtores na implementação de práticas mais sustentáveis, é importante gerar acesso a mercados diferenciados, com instituições de denominação de origem e outras iniciativas.  

A reorganização produtiva da Nova Economia da Amazônia resultaria em uma agropecuária mais produtiva, resiliente, livre de desmatamento e com baixa emissão de carbono. Sem desmatamento e com grandes áreas da floresta restauradas, diversos serviços ambientais beneficiariam o crescimento do setor tanto na Amazônia Legal quanto em outras partes do país. A perda de água por escoamento superficial cairia 13%, protegendo a produção do estresse hídrico, e as perdas de nitrogênio e fósforo cairiam 16% e 18%, respectivamente, poupando de R$ 4,6 a 8,7 bilhões na reposição de fertilizantes.  

imagem de frutas da colheita da agricultura familiar em Apuí, Amazonas
Colheita de frutas da agricultura familiar em Apuí, Amazonas (Foto: Dereck Mangabeira/Idesam) 

3. Investimentos na matriz energética e em infraestrutura induzida 

Investimentos adicionais necessários: + R$ 1,9 trilhão 

Investir na transição para energia limpa e construir mais infraestrutura de baixo carbono será crucial para reduzir as emissões do Brasil, cumprir as metas climáticas e descarbonizar outros setores da economia. A principal fonte de energia para essa transição na Amazônia Legal proposta pelo estudo é a energia solar, que atenderia 55% da demanda de eletricidade da região até 2050.  

Para evitar mais desmatamento, os projetos de energia renovável devem usar soluções inovadoras que aproveitem áreas já degradadas em vez de desmatar florestas adicionais para instalações. Duas soluções principais incluem sistemas de energia solar flutuantes em barragens hidrelétricas existentes ou em pastagens degradadas próximas a estruturas de transmissão, otimizando a capacidade já instalada do Sistema Interligado Nacional.  

Também é preciso descarbonizar o setor de transportes da região. Isso pode ser feito até 2050 por meio da eletrificação de veículos e da substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis de segunda e terceira geração (que não usam plantas comestíveis como matéria-prima, mas resíduos e outros subprodutos, reduzindo a pressão sobre os sistemas alimentares).  

No cenário elaborado para o relatório da Nova Economia da Amazônia em 2050, as demandas energéticas da Amazônia Legal para o transporte rodoviário de passageiros e de cargas, hidroviário misto e aero fluvial seriam atendidas em 54% por biocombustíveis, 40% por energia elétrica renovável e apenas 6% por combustíveis fósseis. O transporte hidroviário com motores híbridos (elétrico + combustão), favorecido pela extensa rede fluvial, absorveria 20% do atual transporte rodoviário de cargas. 

Para apoiar a mudança para o transporte limpo, é preciso zerar subsídios ou promover subsídios cruzados dos combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia, com ênfase em energia solar e biocombustíveis de segunda geração. 

Técnico realiza manutenção em instalação de painel solar no Pará. Esse tipo de energia tem grande potencial para uma economia de baixo carbono na Amazônia
Técnico realiza manutenção em instalação de painel solar no Pará. Esse tipo de energia tem grande potencial para uma economia de baixo carbono na Amazônia (foto: Bruno Cesar Spada/Shutterstock) 

4. Alinhar o financiamento com um desenvolvimento de baixo carbono 

A construção de uma economia de baixo carbono na Amazônia exige investimentos adicionais da ordem de R$ 2,56 trilhões até 2050. Embora substancial, o custo para descarbonizar a Amazônia Legal deve ser muito menor do que o custo de manter a economia como sempre foi. O estudo não considera custos de oportunidade das tecnologias empregadas e nem os custos de “não fazer”. Usando as penalizações do Swiss Re Institute – que estimam o custo financeiro de distúrbios climáticos crônicos e agudos causados mudanças climáticas no PIB dos países – o custo de não fazer nada no Brasil pode ser duas vezes maior do que o investimento necessário para financiar o cenário elaborado para a Nova Economia da Amazônia. 

Felizmente, muitas vezes os recursos já existem, mas precisam ser mais bem direcionados. O setor público precisará fazer valer as suas funções alocativa e distributiva, sinalizando o rumo dos investimentos e da economia. Os subsídios do Brasil aos combustíveis fósseis, por exemplo, chegaram a quase US$ 222 bilhões na última década. Esse valor representa 60% dos investimentos calculados para fazer a transição da matriz energética na Amazônia Legal nas próximas três décadas.  

As iniciativas do setor agrícola poderiam ser amplamente financiadas pela realocação de recursos do Plano Safra, programa de agricultura e pecuária do governo brasileiro, para atividades de baixo carbono.  

Outro exemplo é o financiamento agrícola. Atualmente, apenas 3% dos investimentos do Plano Safra na Amazônia Legal são destinados à agricultura e pecuária de baixa emissão de carbono. Se o volume atual de crédito contratado na região fosse aplicado apenas em agropecuária de baixo carbono, seria possível cobrir 40% dos investimentos necessários nesse setor. 

Será preciso estabelecer um arcabouço metodológico e de taxonomias para o mercado financeiro e de capitais sobre os requisitos para investimentos verdes na Amazônia, garantindo a reduções de emissões, a preservação da biodiversidade e respeito às populações locais. Tanto o setor público quanto o privado precisam de marcos claros para a implementação de planos e programas relacionados à bioeconomia, à restauração de florestas, entre outras atividades.  

A Amazônia Legal liderando a transição da economia 

A transição da economia na Amazônia precisa ser justa e equitativa para as populações locais e indígenas. Os povos indígenas são os principais protetores das florestas da Amazônia, guardando conhecimentos milenares sobre recursos alimentares e farmacêuticos e ajudando a manter serviços ecossistêmicos essenciais para toda a economia, seja a regulação do clima ou a geração de chuvas pela evapotranspiração. Em todos os setores, os direitos das comunidades indígenas e tradicionais devem ser protegidos, suas contribuições para viabilizar essa economia baseada na floresta devem ser reconhecidas e os benefícios gerados devem ser distribuídos de forma justa. 

Uma transição que gera empregos de qualidade e oportunidades para os povos da região, ao mesmo tempo que impulsiona mudanças importantes no restante do Brasil. A Nova Economia da Amazônia pode ser a grande catalisadora da descarbonização da economia brasileira e a maior oportunidade de desenvolvimento econômico e social da história contemporânea do país. 


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