De acordo com um novo estudo do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis, 330 milhões de famílias em todo o mundo, o equivalente a 1,2 bilhão de pessoas, não têm acesso a habitação segura e de qualidade. Sem ações imediatas, o problema se tornará ainda mais crítico, uma vez que o déficit habitacional deve ter um aumento de 30% até 2025, chegando a 1,6 bilhão de pessoas.

“As cidades são os motores do crescimento econômico. Sendo assim, os gestores precisam priorizar soluções”, salienta Ani Dasgupta, diretor global do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis.

O World Resources Report (WRR), “Rumo a uma cidade mais igualitária”, avalia se o acesso a serviços urbanos básicos ajudará a criar cidades mais prósperas e sustentáveis. Este novo volume analisa a habitação como uma dessas necessidades básicas. “A habitação é um tópico frequentemente dividido em categorias opostas: público ou privado, formal ou informal”, avalia Robin King, principal autora do estudo e diretora de Captura de Conhecimento e Colaboração do WRI Ross Centro. “Neste estudo, nós avaliamos as opções de habitação em um espectro que combina diferentes perspectivas de posse, espaço, serviços e financiamento. Em alguns casos, o terreno pode ser público e os empreendimentos construídos nele, privados. Esse espectro permite uma análise mais profunda da realidade dos mercados imobiliários no sul global e a consideração de uma gama mais ampla de possibilidades”, considera Robin.

Sheela Patel, membro-fundadora e presidente da Slum/Shack Dwellers International, acredita que “o relatório chega em um momento muito importante, quando o debate sobre habitação acessível, moradia adequada e direito de propriedade tornou-se crítico nas cidades do sul global. Cidades produzem aspirações. Se você não for capaz de atender a essas aspirações – bairros seguros, educação de qualidade e um ambiente saudável –, você gera descontentamento”.

O estudo é focado em três abordagens práticas que as gestões municipais podem se valer para combater a crise habitacional, com exemplos específicos de diferentes partes do mundo:

  1. Participação social como ferramenta para melhorar as condições habitacionais sem afastar os moradores para a periferia. A demanda por habitação superou a oferta, levando a uma proliferação dos assentamentos informais. “Cidades livres de favelas” é muitas vezes sinônimo de deslocar as pessoas de renda mais baixa para a periferia. Encontrar meios de acomodar as pessoas onde estão, em vez de realocá-las, aproveita os conhecimentos da comunidade local e, ao mesmo tempo, mantém as relações sociais existentes. Um caso de sucesso: o programa Baan Mankong, da Tailândia, oferece subsídios governamentais de infraestrutura e empréstimos para comunidades de baixa renda que, então, podem usar esses recursos para melhorar suas casas. Até 2016, pelo menos 1,9 mil comunidades de 345 cidades foram beneficiadas pelo programa – mais de 100 mil famílias conseguiram lugares melhores e mais saudáveis para viver.

  2. Ampliar o acesso ao aluguel para pessoas em todas as faixas de renda. Ter uma casa própria costuma ser superestimado no desenvolvimento urbano e isso afeta diretamente aqueles que não possuem os recursos necessários para comprar uma casa. Expandir o acesso ao mercado de alugueis para qualquer pessoa, independentemente da faixa de renda – garantindo proteção local para proprietários e locatários –, pode ajudar a suprir a demanda habitacional das famílias de baixa renda, mantendo a flexibilidade e estimulando o desenvolvimento. A província de Gauteng, na África do Sul, onde está localizada a capital Joanesburgo, acabou com um déficit habitacional de 687 mil unidades ao legalizar a locação de apartamentos informais construídos nos quintais das casas. Essa mudança permitiu que pessoas de baixa renda conseguissem lugares mais acessíveis para morar e estimulou o desenvolvimento de serviços sem subsídios governamentais.

  3. Converter terrenos centrais e não utilizados em empreendimentos de habitação social. Políticas que obrigam famílias de baixa renda a se deslocarem para a periferia acabam deixando terrenos bem localizados subutilizados ou mesmo sem uso algum, mesmo diante da demanda por habitação na cidade. Nesse cenário, a vontade política é crucial para suprir a demanda habitacional. Ao converter essas áreas, principalmente as públicas, em empreendimentos de habitação social, as cidades evitam o espraiamento urbano, otimizam recursos e induzem o crescimento econômico. Na cidade de Cochabamba, na Bolívia, 420 famílias vivem na comunidade María Auxiliadora em uma área comprada e mantida como propriedade da comunidade, modelo conhecido como Community Land Trust. Na comunidade boliviana, a liderança é intercalada entre as mulheres a cada dois anos; não são permitidos homens envolvidos em casos de violência doméstica; e as famílias recebem apoio prestado pela própria comunidade. Ainda, a terra não pode ser vendida visando ao lucro, o que mantém as habitações a um preço acessível.

“Essas soluções ajudarão gestores municipais de cidades em rápido crescimento a atender a demanda por habitação, incentivando o desenvolvimento econômico e criando ambientes urbanos mais seguros e saudáveis”, afirma Robin. “Suprir essa lacuna, garantindo habitação acessível, segura e adequada, beneficiará a todos, não apenas as famílias atendidas, à medida em que as cidades se tornarem mais produtivas, sustentáveis e, de fato, lugares para todos”, finaliza.