A região semiárida da Caatinga, no nordeste do Brasil, é um laboratório vivo para avaliar os impactos das mudanças climáticas em um ecossistema vulnerável. A Caatinga - "mata branca", na língua Tupi local - é uma região muito seca, mas extraordinariamente biodiversa, com uma paisagem caracterizada por arbustos e pequenas árvores, cactos e plantas espinhosas. Quando chove, a paisagem se torna mais verde e cheia de vida, lar de animais icônicos e ameaçados de extinção, como o tatu-bola da caating e a arara azul.

A Caatinga sofreu a seca mais severa já registrada na região entre 2010 e 2016. Se as temperaturas médias globais subirem 2°C acima dos níveis pré-industriais até o final deste século, como algumas previsões sugerem, a seca resultante na Caatinga pode desencadear perdas agrícolas generalizadas, que dizimariam a segurança alimentar em uma das regiões mais pobres do Brasil, que abriga 20 milhões de pessoas. A Caatinga se estende por dez diferentes estados brasileiros e representa 11% do território brasileiro, com uma área duas vezes maior que a Califórnia.

<p>Colheita de acerola nas árvores plantadas entre os campos agrícolas (Foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil)</p>

Colheita de acerola nas árvores plantadas entre os campos agrícolas (Foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil)

A restauração da paisagem poderia ajudar a tornar a Caatinga mais resiliente às mudanças climáticas. Infelizmente, a experiência brasileira em restauração tem sido mais direcionada a áreas florestais como a Mata Atlântica, em vez de regiões semiáridas como a Caatinga, onde a restauração geralmente é feita em pequena escala e em partes isoladas umas das outras.

Áreas secas como a Caatinga estão presentes em todo o mundo, de forma que um trabalho bem-sucedido de restauração nessa região do Brasil poderia oferecer insights para regiões semiáridas em outros lugares. Algumas boas ideias de como fazer isso podem estar muito mais perto do que imaginamos, na experiência das pessoas que vivem na Caatinga.

Adaptação ao calor e à seca

Por gerações, pequenos agricultores da Caatinga aprenderam a se adaptar a temperaturas extremas e secas severas, mas esse conhecimento local sobre práticas agroecológicas era disperso. Um recente estudo do WRI Brasil encontrou estratégias que podem ajudar a transformar esse clima desafiador em uma oportunidade de restaurar paisagens e gerar renda para os agricultores. O estudo analisou o conhecimento agroecológico de agricultores de Pintadas, uma cidade de aproximadamente dez mil habitantes no coração da Caatinga. Localizada a cerca de 1.600 quilômetros do Rio de Janeiro, Pintadas se tornou líder no uso de espécies de plantas inesperadas para aumentar a fertilidade de terras semiáridas.

<p>A fábrica oferece empregos para mulheres em uma área onde a maioria das oportunidades é geralmente ocupada por homens (Foto: Luiz Fernando Ricci / WRI Brasil)</p>

A fábrica oferece empregos para mulheres em uma área onde a maioria das oportunidades é geralmente ocupada por homens (Foto: Luiz Fernando Ricci / WRI Brasil)

Esses agricultores integraram uma árvore nativa chamada quixabeira em campos agrícolas para criar sombra, reduzir a temperatura do solo e usar as folhas que caíssem como fertilizante natural. Também plantaram um cacto conhecido como palma, ou pera espinhosa, para ajudar a reter a umidade do solo, um fator de extrema importância para a produção de biomassa no clima semiárido. A palma pode melhorar o solo, criando as condições para depois restaurar a paisagem com espécies nativas.

Em Pintadas, o uso da agroecologia para ajudar a restaurar a terra tem o benefício adicional de empoderar as mulheres em uma área rural onde a maioria dos empregos e renda era destinada aos homens. Por meio de uma rede chamada Adapta Sertão, as mulheres se uniram para criar uma empresa cooperativa com 200 membros e uma fábrica de polpas de frutas chamada Delícias do Jacuípe, que emprega 20 mulheres.

A fábrica compra frutas como manga, abacaxi, tamarindo, goiaba e acerola das comunidades locais, usando-as para produzir frutas congeladas para suco. Isso oferece um incentivo econômico para os pequenos agricultores plantarem árvores frutíferas e investirem em um sistema agroflorestal. A restauração da paisagem, que beneficia o solo, também pode ajudar os agricultores a melhorarem sua produção agrícola – plantando árvores frutíferas para alimentar a fábrica e movimentar a economia local. Quando as árvores estão diretamente associadas a uma fonte de renda, os agricultores têm os incentivos necessários para restaurar as paisagens, e o resultado é um ambiente melhor para todos.

<p>Polpa congelada da fruta que sendo ensacada na fábrica (Foto: Luiz Fernando Ricci / WRI Brasil)</p>

Polpa congelada da fruta que sendo ensacada na fábrica (Foto: Luiz Fernando Ricci / WRI Brasil)

Como levar a experiência de Pintadas mais longe

O exemplo de Pintadas faz parte de um movimento global de restauração que está ocorrendo até mesmo em regiões áridas e semiáridas. Uma pesquisa do WRI no Sahel, na África Ocidental, identificou seis etapas para restaurar paisagens em climas áridos e semiáridos, estabelecendo uma estrutura para intensificar as iniciativas de restauração.

Essa análise é necessária porque o Brasil precisa ampliar seus esforços de restauração com urgência. O país assumiu compromissos ousados no Acordo de Paris de 2015 para combater as mudanças climáticas e prometeu restaurar 12 milhões de hectares até 2030. A abordagem de trabalho com pequenos agricultores locais, sustentada por uma estrutura coesa, pode ser uma maneira de restaurar paisagens degradadas. Os resultados seriam uma Caatinga mais resiliente e pequenos agricultores mais prósperos.