São Paulo está mais movimentada e um pouco mais ágil. Divulgada em julho pelo Metrô, a Pesquisa Origem e Destino revela mudanças importantes para a mobilidade dos paulistanos. Para o especialista em Planejamento de Transportes Orlando Strambi, novidades como a explosão do transporte por aplicativos e o aumento do uso de bicicletas são diagnósticos importantes. Mas a mudança mais impactante está nos trilhos. “O que aconteceu com metrô e trem, pela ampliação da rede e do número de estações, é o que provoca as mudanças nos grandes números", avalia o engenheiro.

Coordenador do Departamento de Engenharia de Transporte da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), Strambi acompanha o levantamento do Metrô há quatro décadas. Em 1977, recém-formado, foi convidado a integrar o comitê técnico da segunda edição da pesquisa. Desde então, o professor tem contato frequente com os dados, seja para estudos de sua autoria, seja em trabalhos acadêmicos de seus orientandos.

“A Pesquisa Origem e Destino é a principal fonte de informação para que se possa estabelecer relações entre o que acontece no transporte e o que acontece na cidade. Assim, pode-se fazer projeções fundamentais à tomada de decisões sobre investimentos e políticas de transporte para acomodar a demanda futura”, explica.

Confira a entrevista

Professor da Poli/USP integra o Conselho Diretor do WRI Brasil

Qual é a grande transformação detectada pela pesquisa?

Foi um período em que houve muitas intervenções importantes no sistema de transportes: extensão das redes de metrô e trem, aumento na posse de autos, implantação das ciclovias e ciclofaixas, surgimento dos transportes demandados por aplicativos. Tem um conjunto de mudanças que são relevantes. Agora, as viagens de metrô e trem como modo principal terem aumento de 53% é de uma ordem de grandeza muito maior.

São Paulo tem se tornado mais sustentável?

Vejamos. A frota de automóveis particulares cresceu 22,8%, mas não houve crescimento importante na proporção das viagens feitas por carro: aumentou o número de carros, aumentou na mesma proporção o uso dos outros modos. Isso é positivo, tanto do ponto de vista das condições do sistema de transporte quanto das condições ambientais. Embora pequeno, o crescimento [de 24% das viagens de] bicicleta colabora. Mas houve redução nas viagens a pé por motivo escola, e isso não é boa notícia. E tem alguns resultados curiosos: reduziu-se o uso de transporte coletivo na faixa de renda mais baixa, e se aumentou na faixa de renda mais alta. Em parte, acredito que isso se deva à inauguração da Linha Amarela, que atravessa uma região mais rica da cidade.

A pesquisa aponta queda de 8% nas viagens de ônibus. O que esse número revela?

É preciso um certo cuidado ao ler esses dados. Quando o metrô tabula as viagens por modo de transporte, usa o critério do modo principal. [Como modo secundário, o ônibus cresceu 4%] Das viagens que usam metrô, a maioria usa também táxi, bicicleta, ônibus. Como o Metrô criou a pesquisa, o primeiro modo na hierarquia é o metrô. Uma viagem que tenha usado uma montanha de coisas, que ficou duas horas no trem e andou duas estações de metrô vai ser computada como metrô. Então, o número de viagens de ônibus é uma subestimativa. Aliás, para todos os modos mais baixos na hierarquia, a quantidade não representa o número efetivo de viagens.

"Um bom serviço de ônibus conecta as pessoas à cidade, para que elas percebam que há uma cidade a ser cuidada"

Uma novidade apontada pela imprensa é a “nova hora do rush” ao meio-dia.

Isso sempre foi assim. Historicamente, com exceção de 2007, o horário com maior número de viagens é a hora do almoço, porque há um grande contingente de viagens motivo escola, tem gente saindo e gente chegando, então tem um pico. Como eram viagens majoritariamente a pé, que não aparecem nas condições do sistema viário, não se tinha a percepção de que o maior número de deslocamentos estava acontecendo naquele horário. Em 2007, ele ficou um pouquinho abaixo do pico da manhã. Em 2017, reassumiu a liderança, apesar da redução das viagens a pé e o aumento do transporte escolar.

Qual o impacto do aumento nas viagens de carro entre as camadas mais pobres?

As regiões mais pobres e afastadas também são as mais carentes de sistema viário. [Complica na] hora que você quer acomodar o sistema viário, que é restrito, para dar alguma prioridade aos ônibus, que são a maioria no transporte público e ainda vão estar transportando uma parcela importante da população. É preciso preservar a viabilidade do sistema de ônibus, consumindo uma parte do espaço viário. O congestionamento vai se estender para outras regiões da cidade, a menos que chegue trem, metrô e se consiga controlar o crescimento da motorização.

Apesar da motorização, o tempo médio de viagem em todos os modos diminuiu 14% em média.

É possível que isso represente uma distribuição diferente de viagens ao longo do dia, mas não faria essa hipótese. É preciso considerar que [a resposta sobre o tempo de viagem é] fornecida pelo usuário: representa uma percepção do tempo médio. O usuário não vai te contar que saiu às 7h27min e chegou às 8h12min, vai dizer que saiu às 7h30min e chegou às 8h10min. Do ponto de vista da oferta, houve melhoras no sistema de transporte público, maior presença de metrôs e trens, que são mais rápidos que os ônibus na média, e ampliação dos corredores e faixas exclusivas para ônibus. Há evidências de intervenções que poderiam promover uma melhora.

"Compartilhar o carro não necessariamente é vantajoso. Compartilhar viagens é."

O transporte por aplicativos impulsionou um aumento de 414% nas viagens em táxis e similares. Como ele pode contribuir positivamente para a mobilidade?

Digamos que o você tem carro, mas decide fazer a viagem de Uber. A quantidade de quilômetros rodados não diminui, porque você está fazendo a mesma viagem em um automóvel. Além disso, seu carro estava disponível em casa, enquanto o Uber vai ter de se deslocar até você, aumentando o número de quilômetros rodados. Perder o passageiro do ônibus para o Uber também acarreta mais quilômetros rodados de automóvel, ainda piores do ponto de vista ambiental e das questões de circulação, porque o usuário tinha quilômetros compartilhados com outros passageiros no ônibus e agora vai adicionar esses quilômetros ao sistema no Uber. “Compartilhados" é a palavra importante: o que pode permitir a redução da quilometragem percorrida por automóveis é o compartilhamento de viagens, não de carros. Como no Uber Juntos, no Waze Pool. Esse tipo de uso pode, de fato, contribuir para melhorar as condições de circulação e ambientais. Compartilhar o carro não necessariamente é vantajoso. Compartilhar viagens é.

Que resultados gostaria de ver na próxima pesquisa?

Eu gostaria de ver mais viagens de metrô, trem e, principalmente, bons ônibus. Porque o metrô segrega o passageiro da cidade: se a cidade é feia e você não vê isso, não vai ajudar a torná-la bonita. O motorista do automóvel não vê a cidade, está preocupado com o carro da frente, com o pedestre, com a sinalização. Um bom serviço de ônibus conecta as pessoas à cidade – claro, não se compara a andar a pé ou de bicicleta. Eu gostaria de ver mais viagens feita por modos coletivos e não motorizados, em particular aqueles que tivessem essa característica. Para que as pessoas percebam que há uma cidade a ser cuidada.

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Viagens de metrô e trem tiveram, juntas, crescimento de 53% (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

Sobre a Pesquisa Origem e Destino

Realizada desde 1967, tão antiga quanto o metrô de São Paulo, a Pesquisa Origem e Destino é um dos principais levantamentos sobre mobilidade urbana do país. Em 2017 e 2018, foram entrevistadas mais de 150 mil pessoas, em residências, rodovias e terminais de transporte nas 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo. É uma importante ferramenta para auxiliar governos a planejar não só a mobilidade, mas o desenvolvimento urbano e os serviços essenciais à população.