Este artigo foi escrito por Kelly Levin e publicado originalmente no Insights.

Se resolver o problema da mudança climática parece difícil, pense em como seria sem a captura e o armazenamento de carbono no solo. Árvores e vegetação absorvem dióxido de carbono da atmosfera, sequestrando quase um terço das emissões globais. Dada a rapidez com que o mundo tem esgotado seu orçamento de carbono – a quantidade de gases de efeito estufa (GEE) que podemos emitir sem extrapolar o aumento de temperatura de 1,5ºC – precisaremos proteger esse sumidouro e aumentar sua capacidade de absorver carbono.

Em seu Relatório Especial sobre Mudança Climática e Uso da Terra, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) avaliou os potenciais e os riscos de se intensificar a absorção e o armazenamento de carbono no solo. É um estudo importante, já que a comunidade científica constatou que limitar o aquecimento a 1,5°C exigirá, além da redução de emissões de GEE, a remoção de carbono da atmosfera. Essa remoção pode acontecer por meio de abordagens baseadas no uso da terra, como o aumento da capacidade do solo de sequestrar carbono, e por meio de abordagens tecnológicas, como a captura direta de ar e armazenamento (DACS). Embora o IPCC tenha apontado potencial de benefícios significativos com a remoção de carbono a partir do uso do solo, se implementadas incorretamente, essas estratégias podem criar maiores pressões sobre a terra e comprometer a segurança alimentar e a saúde dos ecossistemas.

O relatório do IPCC examinou várias abordagens de remoção de carbono baseadas no uso da terra, incluindo florestamento e reflorestamento, bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS), carbono do solo, biocarvão e intemperização aprimorada, entre outros. Os autores descobriram que florestamento e reflorestamento, carbono do solo melhorado em áreas agrícolas e pastagens e BECCS têm o maior potencial de remoção de carbono, com viabilidades e impactos diversos.

A seguir, confira um resumo sobre cada abordagem:

Florestamento e Reflorestamento

O reflorestamento pode recuperar terras anteriormente desmatadas. O florestamento, por outro lado, planta florestas – no caso do Brasil, comumente com exóticas – em terras onde elas não cresciam anteriormente. O IPCC descobriu que o potencial do florestamento e do reflorestamento é de 0,5 a 10,1 gigatoneladas de gases de efeito estufa (Gt CO2 eq) por ano, com as estimativas do topo equivalentes às emissões da China em 2010. A extremidade superior do intervalo considera que haja restauração de todas as terras de pastagem.

O reflorestamento pode ter muitos benefícios além da remoção de carbono, incluindo provimento de habitat, aumento da fertilidade do solo, controle enchentes e melhora da qualidade do ar e da água. Mas também traz riscos, dependendo do tipo de árvores plantadas e do estado da paisagem substituída pela floresta. O relatório concluiu que, se o florestamento for implementado em larga escala, poderá competir com outros usos da terra e ameaçar a segurança alimentar, os recursos hídricos e a biodiversidade. Essas considerações nem sempre são levadas em conta nos modelos climáticos. Por exemplo, o relatório observa que, em cenários rigorosos de modelagem climática, a área florestal aumentaria em média cerca de 25% em 2050 e quase 50% em 2100, em relação aos níveis atuais.

Melhorar a incorporação de carbono pelo solo

Desde a Revolução Industrial, alteramos os ecossistemas e esgotamos o carbono encontrado nos solos. Existe, portanto, uma tremenda oportunidade de aumentar o armazenamento de carbono no solo que foi perdido. O IPCC descobriu que o potencial de sequestro de carbono do solo em terras agrícolas e pastagens é de 0,4 a 8,6 Gt CO2 eq por ano, com o extremo superior da faixa equivalente a quase 1,5 vezes as emissões anuais dos Estados Unidos. O amplo intervalo nessa estimativa reflete a incerteza científica persistente relacionada à eficácia das práticas que constroem o carbono do solo. Atingir a escala de gigaton também exigiria mudanças nas práticas de gestão de terras em muitos milhões de detentores individuais de terras em todo o mundo.

As formas de melhorar a absorção de carbono do solo incluem o uso de variedades de plantas que possuem raízes mais profundas, sistemas agroflorestais, adição de materiais orgânicos e mudanças nas rotações das culturas, entre outras. O potencial para essa estratégia é específico do local, dependendo do tipo de solo, das práticas de manejo do solo anteriores e atuais, das condições ambientais e de outros fatores.

O aumento do carbono no solo pode gerar co-benefícios significativos, incluindo melhoria da qualidade do solo e o aumento da produtividade. No entanto, como no manejo de carbono florestal, o solo pode atingir seu ponto de saturação de carbono em questão de décadas. E o relatório observa que níveis mais altos de aquecimento podem comprometer a capacidade do solo de absorver carbono.

Bioenergia com captura de carbono (BECCS)

BECCS consiste em queimar biomassa para gerar energia e, em seguida, capturar e armazenar do carbono antes de ser lançado de volta à atmosfera. Embora muitos modelos climáticos dependam fortemente da BECCS, o relatório do IPCC e muitos outros estudos levantam inúmeras bandeiras vermelhas sobre sua implantação em grande escala. Cultivar plantas especificamente para bioenergia pode exigir uma grande quantidade de terra, o que poderia levar a maiores pressões sobre a terra e a competição com outros usos. O uso de terras para bioenergia pode concorrer com a produção de alimentos ou fibras, perturbar os ecossistemas e elevar os preços dos alimentos. Se as florestas forem desmatadas ou o uso de água e fertilizantes aumentar para o cultivo de bioenergia, a BECCS pode ser contraproducente para outras metas de sustentabilidade.

O relatório conclui que os modelos climáticos exigem de 109 milhões a 990 milhões de hectares de terra para BECCS, sendo a média em torno de 380 a 700 milhões de hectares. Para colocar isso em contexto, toda a área global dedicada ao cultivo agrícola foi de 1,6 bilhões de hectares em 2010. Isso significa que teríamos que expandir a área para a BECCS em torno de 24 milhões de hectares por ano, cerca de 7 vezes a taxa global de expansão de soja e da cana de açúcar combinadas! O IPCC considera que o potencial da BECCS é de 0,4 a 11,3 Gt CO2 eq por ano, mas esse intervalo pode diminuir para 0,5 a 5 Gt CO2 eq por ano, quando as metas de sustentabilidade são levadas em consideração. E as estimativas podem não contabilizar com precisão os biocombustíveis. Embora o potencial para a BECCS não seja nulo – existem maneiras de utilizá-la com prudência, como com o aproveitamento de resíduos agrícolas, que não competiriam com outros usos da terra –, o mundo não poderá depender do processo como a maioria dos modelos climáticos sugere. E os cenários de modelagem que não dependem de BECCS exigem reduções de emissões muito mais rápidas no curto prazo e mais remoção de carbono por outros meios, como reflorestamento.

Biocarvão (biochar)

O biochar envolve a queima de biomassa em um ambiente com oxigênio limitado, em um processo conhecido como pirólise, produzindo uma forma mais estável de carbono. O biocarvão resultante pode ser aplicado aos solos. O IPCC descobriu que o biocarvão pode ter grandes cobenefícios, como adicionar nutrientes a solos esgotados e aumentar os estoques de carbono do solo. Existe o risco, no entanto, de que, sem regras adequadas, a terra usada para fornecer matéria-prima para o biochar possa aumentar a competição por terra. Até o momento, a experiência com a aplicação em larga escala de biochar tem sido limitada.

O relatório descobriu que o potencial global de remoção de carbono para o biochar é de 0,03 a 4,9 Gt CO2 eq por ano até 2050. Considerando as preocupações com sustentabilidade, a estimativa máxima cai para 1 a 2 Gt CO2 eq por ano.

Intemperismo aprimorado

O intemperismo aprimorado é um processo que acelera a reação natural entre o dióxido de carbono e fontes reativas, como certos tipos de rochas, para aumentar a absorção de carbono. Os carbonatos ou bicarbonatos resultantes podem então ser aplicados ao solo e, em alguns casos, podem contribuir para a produção de alimentos, repondo os nutrientes e aumentando o pH do solo. O IPCC estimou que seu potencial de remoção é de 0,5 a 4 Gt CO2 eq por ano.

Abordagem múltipla

O relatório afirma com clareza que abordagens de remoção de carbono baseadas no uso da terra que requeiram grandes áreas – por exemplo, florestamento e BECCS – carregam riscos se implantados em larga escala. No entanto, há benefícios consideráveis ​​para a remoção de carbono em terra se ela for realizada de maneira segura e prudente. Os investimentos na remoção de carbono em terra podem retardar e até reverter a degradação do solo. E muitos riscos podem ser mitigados com governança efetiva e políticas de precaução.

Ainda assim, está claro que o mundo não pode remover todo o carbono necessário apenas por meio de abordagens baseadas na terra. Também precisaremos ampliar rapidamente abordagens tecnológicas como captura direta do ar e armazenamento. Além disso, o relatório confirma ainda que não se pode diminuir a pressão pelo corte de emissões de todos os setores, incluindo energia e transporte, ou haverá cada vez mais dependência das soluções baseadas na terra, exacerbando as pressões alimentares e ambientais. E é preciso fazer tudo isso enquanto salvaguardamos a terra, o sumidouro de carbono do mundo, barrando seu desmatamento e degradação.

A cada ano que atrasamos as ações, os caminhos para impedir mudanças climáticas perigosas se tornam mais limitados.