No Brasil, a responsabilidade pelo monitoramento da qualidade do ar é dos governos estaduais – que também devem investir para que a poluição fique dentro dos padrões estabelecidos. Esse é apontado por Patricia Krecl como um dos principais desafios do país hoje no que diz respeito ao monitoramento. Conversamos com a especialista sobre o papel dos sensores móveis como complemento às estações fixas de monitoramento, os desafios dos Estados, a convergência entre as agendas de mudanças climáticas e qualidade do ar e sobre como a academia pode contribuir com as políticas públicas do setor.

Patricia é especialista em qualidade do ar, com mestrado, doutorado e pós-doutorado na área pela Universidade de Estocolmo, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), pesquisadora do Laboratory for Urban Air Pollution and Climate e integra o painel de especialistas do IPCC em poluentes climáticos de vida curta.

 

Como os sensores móveis e os sensores de baixo custo podem complementar a rede de monitoramento da qualidade do ar no Brasil?

Historicamente, o monitoramento da qualidade do ar no Brasil começou a ser feito em estações fixas em determinados pontos da cidade. Essas estações avaliam se a qualidade do ar respeita os padrões estabelecidos, medindo a concentração dos poluentes citados na legislação. Em geral, porém, esses equipamentos são caros e exigem manutenção regular e uma equipe de trabalho especializada. Por isso os números assustam – são milhões de reais investidos para construir e manter uma rede de monitoramento eficaz. Os sensores podem ser usados para complementar essa rede. Há lugares no país de que não temos qualquer dado em relação à qualidade do ar, e os sensores poderiam ajudar nesse caso.

Patricia Krecl (Foto: Divulgação)

No webinar, falamos de políticas públicas relacionadas à mobilidade. A construção de ciclovias, por exemplo. Medir a qualidade do ar somente na área da ciclovia não oferece um retrato preciso da exposição das pessoas à poluição. Isso porque a ciclovia não é a única parte de seu trajeto diário. Para termos uma análise mais precisa, seria necessário acompanhar todo o trajeto. Essa é outra situação em que o uso de sensores também pode ser útil – na avaliação da exposição pessoal. Outra possibilidade é o mapeamento da qualidade do ar em um bairro específico. Nesses casos, o nível de detalhe será maior do que com uma estação fixa. Os sensores também podem ser usados em locais onde não há estações fixas. Em resumo, vai depender do objetivo do monitoramento.

Nas últimas semanas, acompanhamos a situação das queimadas na Amazônia. Na cidade de Porto Velho (capital de Rondônia), por exemplo, não há nenhuma modalidade de monitoramento da qualidade do ar. Os sensores, nesse caso, poderiam medir a que níveis de poluição as pessoas estão expostas na cidade e, com isso, orientar a implementação de uma estação fixa.

As redes fixas e os sensores móveis se complementam. Não é uma escolha de um ou outro. Cada um tem seu papel e ambos são necessários.

 

Os estados têm a atribuição de fazer o controle da poluição do ar, respeitar os padrões estabelecidos pelo Conama e, ao mesmo tempo, monitorar. Esse não seria um desafio para que os estados invistam no monitoramento da qualidade do ar, visto que também têm a responsabilidade de cumprir os padrões?

Isso é algo que desde que cheguei no Brasil, há nove anos, não consegui entender muito bem. Como atribuir a responsabilidade por algo sem oferecer um orçamento para isso? A maioria dos estados não tem esse orçamento. Ou seja, essa acaba sendo uma receita para o insucesso. A quantidade de estações de monitoramento hoje é mínima para o tamanho do país. E quase todas estão nas regiões Sul e Sudeste – todo o resto do país está no escuro quanto à situação da qualidade do ar. Não é possível delegar a responsabilidade pelo monitoramento da qualidade do ar sem garantir o orçamento para tanto. Dados os problemas de saúde e a quantidade de mortes em decorrência da poluição (hoje estimadas em 50 mil por ano no Brasil), essa deveria ser uma prioridade nacional. Alguns estados estão utilizando os recursos do licenciamento ambiental para realizar o monitoramento. Alguns estabelecem trocas com as empresas, exigindo, por exemplo, a instalação de estações de monitoramento. Mas muitas vezes esse processo resulta em pontos de monitoramento nas áreas das empresas e não em locais estratégicos da cidade.

 

Considerando o cenário atual no Brasil, como os estados podem consolidar a agenda de controle e monitoramento da qualidade do ar com a agenda de combate às mudanças climáticas?

As mudanças climáticas acontecem principalmente pela emissão dos gases de efeito estufa (GEE), mas também pelos chamados poluentes climáticos de vida curta. Um exemplo é o material particulado, como o black carbon (carbono negro). O black carbon é um dos materiais particulados com o mesmo efeito dos GEE, mas também é um poluente de vida curta – ou seja, permanece no ar entre 7 e 10 dias. Isso quer dizer que, se conseguíssemos zerar as emissões de fuligem (de onde se origina esse material), em até duas semanas teríamos resultados significativos. Combater os poluentes climáticos de vida curta é de extrema importância para reduzir a poluição do ar e controlar as mudanças climáticas. Alguns dos gases de efeito estufa permanecem na atmosfera por até 100 anos, por isso é preciso uma estratégia de longo prazo, mas também precisamos combater os poluentes de vida curta, com ações mais imediatas. Em escala global, é preciso agir nos dois níveis, com estratégias complementares.

Ou seja, não estamos falando de agendas diferentes. Qualidade do ar e mudanças climáticas são a mesma agenda. Muitos dos poluentes climáticos são também poluentes da qualidade do ar. E, se conseguirmos controlar os poluentes de vida curta, temos um duplo benefício: desacelerar o aquecimento global e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade do ar. As agendas devem andar juntas.

 

O Brasil está entre os cinco primeiros países em produção acadêmica no tema da qualidade do ar, mas ainda assim encontramos desafios para manter a qualidade do ar nas cidades brasileiras. Na sua visão, como podemos fortalecer o papel da academia na influência de políticas públicas de qualidade do ar?

Vou citar quatro ações.

  1. Convidar a comunidade acadêmica a participar das associações, conselhos, discussões e tomadas de decisão relacionadas à qualidade do ar. É preciso envolver a comunidade acadêmica que pesquisa e atua no setor.

  2. Investir em pesquisa. Nesse momento vivemos uma crise nacional de investimento em pesquisa em todas as áreas. Mas é preciso garantir esse investimento, criar agências de fomento, aplicar os recursos para resolver problemas reais, em pesquisa aplicada. Isso deve ser feito em parceria com agências e órgãos ambientais em todas as instâncias de governo. Estabelecer essas parcerias é uma forma de aproximar esses dois mundos, o da academia e o das políticas públicas.

  1. Capacitação. Em geral, os governos estaduais carecem tanto de corpo técnico especializado em qualidade do ar quanto de departamentos de pesquisa focados na área.

  2. Promover transparência e o acesso às bases de dado de qualidade do ar. Assim como às bases de dados do licenciamento ambiental relacionadas à qualidade do ar. O acesso à informação é fundamental para que as pesquisas aconteçam e avancem.


Patricia Krecl foi uma das painelistas do webinar "Qualidade do ar: perspectivas para o avanço do controle e monitoramento", realizado em agosto pelo WRI Brasil.