Este artigo foi publicado originalmente no Insights.

No século 21, uma aparente prosperidade global mascara uma distribuição desigual do progresso. Em nenhum lugar isso é mais aparente do que nas cidades, onde a riqueza extrema pode existir ao lado da pobreza concentrada. Em algumas cidades, políticas e investimentos bem-intencionados em trânsito e habitação realmente aprofundaram a desigualdade e a segregação experimentadas pelas comunidades de baixa renda.

Como a mudança climática se encaixa nessa imagem? Alguns dos principais especialistas urbanos pensam que a atual trajetória das cidades excede em muito os limites do sustentável em termos de planeta. Por sua vez, a mudança climática, um resultado do crescimento movido a carbono nos últimos dois séculos, também é um fator de desigualdade urbana.

Em 2050, 2,5 bilhões de pessoas a mais poderão estar vivendo nas cidades. À medida que mais pessoas se deslocam para as cidades, elas enfrentam o aumento do preço da habitação, acesso desigual a oportunidades de emprego e infraestrutura e serviços urbanos, e agora também enfrentam os eventos extremos da mudança climática. O resultado é profundamente injusto: aqueles que menos contribuíram e se beneficiaram do crescimento movido a carbono são suas maiores vítimas. Grupos de baixa renda são desproporcionalmente afetados, pois têm maior probabilidade de viver em casas menos robustas e enfrentar riscos naturais, como inundações e ondas de calor – sem mencionar que têm menos recursos disponíveis para responder quando um desastre ocorre.

Projeções dos principais cientistas do mundo dizem que as cidades do futuro precisam ter uma pegada de carbono próxima de zero, eliminar a dependência de combustíveis fósseis e ser capazes de gerenciar extremos climáticos, como chuvas fortes e ondas de calor. Elas também devem encontrar maneiras de levantar grupos já vulneráveis e marginalizados. Como será essa cidade do futuro? Infelizmente, nossa imaginação coletiva tem falhado em responder a essa questão.

Admiráveis Mundos Novos

Neste início da década mais importante para a ação climática, as cidades precisam enfrentar a um só tempo as mudanças climáticas e o crescimento contínuo e persistente da desigualdade urbana. Essa é uma transformação importante, imediata e sem precedentes, que muda quase tudo na maneira como vivemos, construímos e abastecemos nossas cidades. Devemos fazê-lo sem exacerbar as desigualdades existentes e encontrar maneiras de não deixar ninguém para trás. E precisamos fazer isso rápido.

Na cultura pop, há muitas visões de um futuro distópico, devastados pelas mudanças climáticas. Como novo supervilão de Hollywood, a mudança climática é pano de fundo comum na ficção científica apocalíptica. E há boas razões, já que incêndios destrutivos, inundações e ondas de calor não são mais apenas coisas de ficção.

Há muito menos versões ensolaradas de como podem ser as cidades do futuro. Encontramos histórias sobre vidas otimistas e impulsionadas pela tecnologia, aprimoradas pela automação nas representações de estúdios de arquitetura e empresas de engenharia, cidades onde o céu está sempre azul. E somos levados a imaginar a vida em arranha-céus de vidro e aço cobertos com painéis solares ou plantas, entregues por carros autônomos e dirigidos por inteligência artificial.

Embora possam parecer soluções atraentes, é difícil conciliar a versão higienizada da cidade que eles retratam com a realidade muito mais confusa da maioria das cidades do mundo. Mais de 1,2 bilhão de pessoas – uma em cada três pessoas nas cidades – vive hoje em assentamentos informais. Resolveremos sua situação neste futuro brilhante?

Muitas vezes subexaminada na ficção e na vida é a estreita relação entre mudança climática e desigualdade. São desafios inter-relacionados que devem ser enfrentados juntos. Caso contrário, problemas fundamentais de acesso, informalidade e poder aquisitivo permanecem sem solução. A sustentabilidade de uma “cidade inteligente”, por exemplo, pode implicar degradação ambiental e exploração social em outra parte do mundo, como é o caso da mineração de matérias-primas utilizadas na fabricação de sensores inteligentes ou nas práticas trabalhistas empregadas na indústria na construção de algumas novas ecocidades.

Fomentando inspiração

Ideias podem ser poderosas impulsionadoras da transformação, mas poucas das principais histórias sobre conviver com as mudanças climáticas oferecem visões inspiradoras de como será o futuro e como chegaremos até lá. A falta de perspectivas dificulta nossa capacidade de mudança urbana. Precisamos de mais abordagens que se situem em algum lugar entre as distopias noir e as representações ingênuas e ajudem a ampliar a perspectiva do que significará viver e prosperar em uma cidade com o clima alterado como o que se projeta.

Especialistas no campo urbano reconhecem esse problema há algum tempo. Tendências negativas, como aumento da poluição do ar, aumento do custo de vida, congestionamento e desigualdade, são indicativos de uma lacuna crescente entre compromissos ambiciosos assumidos em nível internacional (como o Acordo de Paris, a Nova Agenda Urbana e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e a realidade concreta. Embora exista um amplo consenso de que são necessárias transformações radicais, muitos estudos encontram poucas evidências de que mudanças radicais estão realmente ocorrendo nas cidades. Especialistas pensam que isso ocorre porque as cidades são sistemas complexos e a urbanização não pode ser facilmente coordenada.

É por isso que, em 2020, o concurso WRI Ross Center Prize for Cities se concentra em convidar envios de iniciativas que mostram como viver e prosperar em um mundo em mudança, enfrentando a crise climática e a desigualdade urbana juntos. Por meio desse prêmio global, que celebra mudanças urbanas transformadoras, identificaremos os líderes em transformação urbana e ampliaremos as lições aprendidas para que outras cidades possam seguir essa liderança.

O ciclo 2020-2021 do Prêmio reconhece o ano e a década que se iniciam como fundamentais para a ação climática global e procura ajudar a preencher a lacuna entre ficção e realidade e desenvolver um repertório de intervenções e projetos urbanos plausíveis. Como em seu ciclo inaugural, que recebeu quase 200 inscrições de todo o mundo, esperamos que o Prêmio amplie nossa compreensão de como é a transformação urbana positiva, como ela ocorre e como podemos identificar e nutrir as sementes da mudança.