Este blog foi publicado originalmente no Insights.


No dia 27 de maio, a União Europeia (UE) apresentou uma proposta de recuperação de 750 bilhões de euros (US$ 826 bilhões) como elemento central de sua resposta econômica à crise do coronavírus, além de aumentar o orçamento existente. Autoridades da UE afirmaram que 25% do pacote de estímulo será reservado para medidas favoráveis ao clima, como reforma de construções, tecnologias de energia limpa, veículos de baixo carbono e uso sustentável do solo. O impacto climático do restante do fundo ainda deve ser avaliado, mas indicações promissoras apontam que haverá garantias ambientais.

Se os gastos pró-clima representam um quarto do pacote anunciado pela UE, significa que totalizariam mais de US$ 200 bilhões. Uma quantidade como essa seria um sinal consideravelmente encorajador, especialmente em contraste com pacotes de estímulo de vários trilhões de dólares aprovados em países como Estados Unidos e Japão sem qualquer consideração pelas consequências climáticas.

A proposta da União Europeia precisa ser aprovada pelo Parlamento Europeu e pelos 27 estados membro, então é quase certo que sofra mudanças substanciais antes de se tornar uma realidade. Divergências de opinião sobre quais devem ser os fundamentos do orçamento da UE provavelmente farão desse um longo processo. No entanto, se um pacote de recuperação similar à proposta for aprovado, pode ser o investimento verde mais significativo da história.

Investimentos de baixo carbono podem ajudar a Europa a se recuperar e a sair da crise melhor do que antes, criando oportunidades de trabalho, aumentando a competitividade e construindo uma economia saudável e mais resiliente a impactos como os resultantes de pandemias e mudanças climáticas.

5 elementos favoráveis ao clima na proposta do pacote de recuperação da Europa

1) Eficiência energética

O pacote de estímulo visa dobrar a taxa anual de renovação de construções já existentes, como parte de uma onda de renovação. A modernização de prédios antigos pode estimular rapidamente a economia, além de reduzir as emissões de carbono do setor e gerar economia nas contas de energia elétrica para os proprietários dos imóveis.

Estudos mostram que investir em eficiência energética de edificações, na União Europeia e em outros lugares, gera 2,3 vezes mais empregos por dólar do que investir em combustíveis fósseis. Cerca de seis milhões de empregos no setor de construção estão potencialmente em risco na UE em decorrência do coronavírus; investir em eficiência energética, portanto, pode ajudar o setor a se recuperar, além de oferecer economia de eletricidade aos hospitais, que foram duramente afetados.

2) Investimento em tecnologia limpa

O pacote de estímulo usaria diversos instrumentos para investir em energia renovável, armazenamento de energia, hidrogênio limpo, baterias e captura e armazenamento de carbono. Esse seria um apoio importante, já que a expectativa é que o mercado de fontes renováveis na Europa encolha de 20% a 33% este ano devido a interrupções relacionadas ao coronavírus e condições mais rígidas de financiamento. Investir em energia renovável gera cerca de 2,6 vezes mais empregos por dólar do que investir em combustíveis fósseis.

A União Europeia também parece estar pronta para investir em hidrogênio verde, o que pode ser essencial para descarbonizar indústrias pesadas, como a produção de cimento e aço. Se a UE fizer dos investimentos em tecnologia limpa uma prioridade em seu fundo de recuperação, poderá se tornar uma liderança mundial nessa tecnologia.

3) Veículos de baixo carbono

O pacote de estímulo propõe a instalação de um milhão de pontos de carregamento para veículos elétricos na UE, em comparação com os menos de 200 mil existentes hoje. A proposta também prevê o apoio a cidades e empresas na renovação de suas frotas em prol de alternativas de baixo carbono e na construção de infraestrutura de transporte sustentável.

A previsão é de que os custos iniciais da compra de grandes veículos elétricos na UE sejam competitivos em relação aos veículos tradicionais sem subsídios até 2022. O apoio do pacote de estímulo poderia antecipar esse prazo ainda mais.

4) Alimentos, agricultura e terra

O pacote de estímulo propõe um aumento de US$ 16 bilhões para um fundo que apoia o desenvolvimento e a sustentabilidade da agricultura nas áreas rurais. Esse investimento ajudará a estratégia da União Europeia chamada Farm to Fork (em português, “Da fazenda ao garfo”), anunciada uma semana antes do pacote de estímulo. O objetivo é reduzir em 50% o uso de pesticidas e antimicrobianos, em 20% o uso de fertilizantes e em 50% o desperdício de alimentos. O plano também prevê a mudança para hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis e melhoras no gerenciamento da pesca e na aquicultura, além de outros objetivos igualmente importantes.

De forma similar, a Estratégia de Biodiversidade da União Europeia visa proteger 30% de terras e mares na UE para impedir o declínio da fauna silvestre. Para isso, a meta é plantar três bilhões de árvores. Mudanças para modelos de agricultura de menor impacto também serão importantes. Ainda assim, é preciso ter o cuidado de fortalecer a produtividade agrícola de forma geral, a fim de evitar a necessidade de converter ecossistemas naturais em fazendas, o que causaria perdas de biodiversidade e aumentaria as emissões fora da UE.

5) Transição justa

Com um investimento de US$ 44 bilhões no Fundo de Transição Justa da UE para levantar mais investimentos privados, o pacote de estímulo auxiliaria trabalhadores e comunidades afetadas pela transição energética – incluindo aqueles historicamente dependentes de combustíveis fósseis. Esse investimento ajudará os trabalhadores que perderem seus empregos ensinando novas habilidades profissionais e apoiará pequenas empresas na criação de novas oportunidades econômicas.

Trata-se de um investimento bem-vindo. Se, por um lado, a economia verde criará milhões de novos empregos, por outro também haverá trabalhos perdidos nos setores de alto carbono. Esses trabalhadores e comunidades merecem apoio.

O pacote de incentivos verdes da Europa sozinho não é suficiente

A experiência mostra que apenas direcionar recursos a um setor rotulado como “verde” não significa que o investimento vai reduzir emissões. Esses investimentos precisam estar alinhados a uma economia de zero carbono de longo prazo, e o restante do pacote de estímulo não deve contribuir para a economia de alto carbono existente sem contrapartidas.

Felizmente, a proposta da UE assevera que os investimentos públicos não podem causar danos, o que excluiria qualquer gasto direto com combustíveis fósseis no restante do pacote. A proposta também afirma que os investimentos devem estar alinhados com as ambições de longo prazo da UE e sua taxonomia financeira sustentável. São diretrizes encorajadoras, pois implicam que todo o pacote de estímulo deve estar alinhado com a meta de zerar as emissões líquidas até 2050.

A União Europeia tem deixado explícito que não desacelerará os preparativos para uma COP26 ambiciosa e está preparando também uma avaliação de impacto para aumentar suas metas climáticas para 2030. À medida que a UE avança com essa proposta, deve ficar ainda mais claro que os investimentos de alto carbono estão fora de questão. A entidade também poderia seguir o exemplo do Canadá e exigir que qualquer empresa que receba apoio reporte como suas operações são afetadas pelos riscos das mudanças climáticas e como contribuirão com os planos climáticos de longo prazo.

Investimentos de baixo carbono precisam ser parte de uma transição mais ampla para uma trajetória de crescimento mais inclusivo e sustentável. Pacotes de incentivo devem ser acompanhados de outras reformas e mudanças na economia.

Os países-membro da UE, por exemplo, ainda ofereceram US$ 61 bilhões em subsídios pata combustíveis fósseis em 2016, mesmo que a entidade tenha se comprometido há muito tempo a removê-los. Tais subsídios precisam ser cortados, ou vão contrariar os investimentos verdes propostos. Com os preços dos combustíveis fósseis em baixa, este é um bom momento para fazer isso.

A UE também propôs expandir seu mercado de emissões para novos setores, como o transporte marítimo internacional e o transporte terrestre. A incorporação de novos setores e a definição de um limite de emissões suficientemente baixo podem reduzir as emissões, aumentar as receitas e ajudar a UE a cobrir o plano de estímulo no futuro.

Os benefícios de investir em uma recuperação verde

A proposta de recuperação econômica da União Europeia afirma que atingir as metas do setor de energia e de redução de emissões poderia aumentar o PIB da UE em 1% e criar um milhão de empregos verdes ao longo da próxima década. Em paralelo, o investimento em uma economia circular poderia gerar ainda outras 700 mil oportunidades de trabalho.

Especialistas concordam que pacotes de recuperação verde podem estimular o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, combater as mudanças climáticas. Um estudo recente fez uma revisão de literatura e entrevistou mais de 200 especialistas em economia e funcionários do banco central para identificar cinco investimentos para uma recuperação econômica capaz tanto de melhorar a economia quanto de reduzir emissões.

As recomendações finais foram: investimento em infraestrutura limpa, eficiência energética, educação e capacitação, uso sustentável da terra e investimentos em pesquisa e desenvolvimento limpos. A proposta de recuperação econômica da UE inclui investimentos em todas essas áreas.

A recuperação sustentável da Europa além do pacote de estímulo

Para além do pacote de recuperação, muitos países europeus já estão em busca de esforços para se recuperar da crise de forma sustentável.

A França ofereceu um resgate de US$ 11 bilhões à Air France colocando como condição a redução de emissões domésticas em 50% até 2024. O país também considera um plano para apoiar sua indústria automobilística com incentivos para veículos de baixo carbono. A Dinamarca planeja investir mais de US$ 4 bilhões em reformas ecológicas em moradias de habitação social. A medida prevê reformas em 72 mil casas e, com isso, também um aumento na oferta de oportunidades de trabalho. O Reino Unido lançou o Fundo de Crescimento Limpo, de US$ 44 bilhões, para P&D em tecnologia verde nos setores de energia, transportes, resíduos e eficiência energética de edificações.

Um dos sinais mais encorajadores vem da Espanha, que recentemente apresentou um novo projeto de lei para atingir o zero líquido em suas emissões de carbono até 2050. Se aprovada pelo parlamento espanhol, a lei criará medidas concretas para chegar ao zero líquido, incluindo a proibição imediata de novas extrações de carvão, petróleo e gás, o corte de todos os subsídios diretos aos combustíveis fósseis e a determinação de que todos os novos veículos fabricados no país sejam de zero emissões até 2040.

Contudo, nem todas as novas políticas são promissoras.

O Reino Unido, por exemplo, também ofereceu um empréstimo de US$ 740 milhões à EasyJet sem incluir nenhuma condição para que a companhia melhore sua pegada de carbono. A Grécia atualizou suas normas ambientais, o que vai estimular as fontes renováveis, mas também decidiu permitir a exploração de petróleo e gás em áreas protegidas.

Em última instância, o impacto dessas medidas será significativo, mas pequeno se comparado a todo o universo contemplado pelo pacote de estímulo da União Europeia. À medida que os detalhes desse plano de recuperação começarem a ser divulgados nas próximas semanas, a UE deve garantir que os componentes verdes sejam tão ou mais fortes que o proposto.