O Chile divulgou uma versão aprofundada de seu compromisso climático nacional – conhecido como contribuição nacionalmente determinada (NDC). As mudanças representam um progresso significativo para além do que o país havia apresentado em 2015 para o Acordo de Paris. É notável que o Chile tenha anunciado planos climáticos mais ambiciosos em meio a uma pandemia global e no contexto de crises sociais e econômicas internas iminentes, mostrando que esse movimento faz parte da visão holística do país para a recuperação.

Ao entregar oficialmente a NDC, o ministro do Meio Ambiente do Chile afirmou que os planos de recuperação “devem considerar a crise climática e seu impacto social nas pessoas e na terra como fatores fundamentais” e indicou que, por esse motivo, a versão aprimorada da NDC mostra “metas e compromissos ambiciosos que permitirão que a recuperação [do Chile] seja focada em um objetivo claro”.

Com esse compromisso, o Chile consolidou ainda mais sua liderança internacional como presidente das mais recentes negociações climáticas da ONU, na COP25. A medida também ofereceu um exemplo importante de como os países devem fortalecer seus compromissos a cada cinco anos, como parte do ciclo regular estabelecido pelo Acordo de Paris.

O plano climático nacional do Chile inclui cinco elementos dignos de destaque que outros países deveriam adotar:

1. Pilar social

A NDC aprofundada do Chile tem o objetivo de garantir que as contribuições climáticas do país considerem o impacto social da crise climática – um movimento significativo para um país que enfrenta um momento turbulento. Segundo a NDC, todo compromisso climático que o Chile assumiu deve salvaguardar uma transição justa e integrar um ou mais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, com foco especial na segurança da água, igualdade de gênero, superação da pobreza e relação custo-benefício.

Esse componente estrutural da NDC, o “pilar social”, pode orientar ações de adaptação e mitigação, traçando um caminho de desenvolvimento que tem as pessoas e a resiliência como prioridades. O compromisso chileno menciona consultas públicas para o desenvolvimento da NDC, embora alguns sindicatos nacionais tenham questionado os atores e organizações da sociedade civil com os quais o governo se engajou no processo. O Chile deve agora tomar medidas, por meio de um processo inclusivo e participativo, para de fato implementar esse pilar social.

2. Metas para os principais gases de efeito estufa aproximam-se da neutralidade em carbono

Na NDC anterior, o Chile assumiu o compromisso de reduzir em 30% a intensidade de gases do efeito estufa em seu PIB até 2030, tomando como referência níveis de 2007. Nesse cenário, as estimativas indicavam emissões anuais de 131 MtCO2e em 2030. A nova NDC estabelece 2025 como a data para o pico das emissões. O objetivo dessa meta, que não está mais condicionada a apoio internacional, é limitar as emissões anuais a 95 MtCO2e até 2030. Esse novo limite representa uma redução de 27,5% em relação ao compromisso anterior.

Como os países devem contribuir para alcançar os objetivos do Acordo de Paris de acordo com sua capacidade e considerando questões de equidade, não se espera que todos contribuam com os mesmos objetivos. Porém, se todos os países fortalecessem suas NDCs na mesma porcentagem que o Chile, o mundo estaria no caminho de limitar o aquecimento a 2°C, em comparação aos cerca de 3°C, se consideradas as NDCs atuais. Esse cenário demonstra o significativo progresso do Chile – mas a ambição ainda não é suficiente para evitar o aquecimento global acima de 1,5°C.

Com as novas metas, o Chile está adotando medidas para alinhar sua NDC de 2030 com o objetivo de atingir a neutralidade em carbono até 2050 (compromisso estabelecido no projeto da Lei Nacional do Clima). De fato, o Chile anunciou recentemente que está embarcando em um processo participativo para elaborar sua estratégia climática de longo prazo conforme o Acordo de Paris, indo além da NDC para considerar o horizonte de 2050.

3. De metas relativas a metas absolutas

A nova NDC do Chile estabelece emissões anuais de 95 MtCO2e em 2030, colocando um limite absoluto de quanto as emissões podem aumentar. Em comparação, a NDC anterior comprometia-se apenas em reduzir a intensidade das emissões no PIB – o que significa uma redução em relação ao PIB, mas que ainda poderia permitir o aumento nas emissões absolutas. Com o novo compromisso, o Chile passou de metas relativas a metas absolutas que, além de mais fáceis de monitorar, oferecem informações mais precisas sobre as ações do país. Estabelecer um nível fixo de emissões e um prazo é uma meta concreta, cujo progresso pode ser acompanhado facilmente.

Embora todos os países devessem avançar em direção a metas absolutas, o Acordo de Paris diz que as nações desenvolvidas devem liderar esse esforço. É encorajador que o Chile, um país em desenvolvimento, já tenha dado esse passo importante, estabelecendo metas de redução absolutas para suas emissões.

4. Orçamento de carbono para a próxima década

A nova meta também especifica um orçamento de carbono de 1.100 MtCO2e entre 2020 e 2030. A maioria dos países estabeleceu metas de um único ano para 2030, mas sem limitar as emissões cumulativas até 2030. O aumento da temperatura global depende, em última análise, de emissões cumulativas. A definição de um orçamento de carbono dá ainda mais clareza sobre as emissões do Chile na próxima década – e estabelece restrições mais fortes à contribuição do país para as mudanças climáticas. Considerando uma chance de 66% de limitar o aquecimento global a 1,5°C, o restante do orçamento global de carbono é de 570GtCO2.

5. Uma meta para o carbono negro

O Chile também estabeleceu uma meta robusta para reduzir as emissões de carbono negro: pelo menos 25% até 2030 em relação aos níveis de 2016. É o segundo país depois do México a fazer isso. O carbono negro é um componente do material particulado fino conhecido como MP2,5. Trata-se de um poluente climático de vida curta, mas poderoso, e prejudicial não apenas ao clima, mas também à saúde humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o MP 2,5 é responsável por cerca de 7 milhõesde mortes prematuras por ano, incluindo 5 mil no Chile em 2017.

As emissões de carbono negro chilenas vêm do diesel (para a indústria de energia e transportes), do aquecimento residencial e da queima de madeira, com impactos desproporcionais à saúde nas comunidades mais pobres. Reduzir o carbono negro, portanto, tem o objetivo duplo de mitigar as mudanças climáticas e reduzir a poluição do ar local e os riscos à saúde, ressaltando a importância, em termos de equidade, de vincular os compromissos internacionais às questões locais.

A meta de carbono negro do Chile é separada da meta total dos gases de efeito estufa, o que garante mensuração e comparações mais precisas. Devido às incertezas quanto ao potencial do carbono negro de aumentar o aquecimento global, ele não deve ser incluído como parte de uma meta geral de gases de efeito estufa.

Oportunidades para melhorar alguns pontos na NDC do Chile

<p>imagem de usinas de energia eólica no chile</p>

No Chile, a energia renovável é cada vez mais competitiva com o petróleo e o carvão. (Foto: sergejf/Flickr)

O novo plano climático do Chile é um passo considerável em direção a um futuro próspero e seguro. No entanto, adotar algumas medidas climáticas ainda mais ousadas não apenas ajudaria o país a reduzir os impactos das mudanças climáticas, como protegeria e fortaleceria sua economia. As principais ações incluem:

1. Reduzir a dependência de carvão e petróleo

O setor de energia do Chile continua dominado pelo carvão e pelo petróleo, e o país depende da importação desses combustíveis fósseis, apesar de dispor de amplos recursos de energia renovável. Em parte devido a essa dependência, o preço da eletricidade varia muito no Chile e é um dos mais altos da América Latina. Atualmente, o país faz parte de um compromisso coletivo com outras oito nações latino-americanas: garantir que 70% de sua eletricidade venha de fontes renováveis até 2030. Em 2018, o Chile já superou sua meta estabelecida para 2025, de gerar 20% da energia a partir de fontes renováveis.

A nova NDC mantém o objetivo de eliminar gradativamente as usinas de carvão até 2040, embora a expectativa de grupos da sociedade civil local fosse 2030, não apenas por razões ambientais, mas também sociais. De fato, se o Chile acabar com o carvão apenas em 2040, isso implica pedir às comunidades das “zonas saturadas” – áreas do país com maior concentração de atividades poluidoras e usinas a carvão – que continuem vivendo com os impactos sanitários e ambientais do crescimento do país por mais 20 anos, sendo que já existem alternativas.

O rápido avanço da tecnologia, a redução dos custos de energia renovável, um mercado liberalizado de energia e políticas robustas de apoio fazem com que a descarbonização do setor de energia chileno seja possível. Desde 2010, o Chile atraiu quase US$ 15 bilhões em investimentos em energia renovável em larga escala e, em 2019, foi classificado como o segundo mercado emergente mais atraente para investimentos em energia limpa. No território chileno, construir novas instalações para gerar energia renovável já é mais barato do que construir e operar usinas de combustíveis fósseis.

Eliminar o carvão mais rápido deveria ser um interesse nacional do país, uma vez que substituição do carvão por fontes renováveis aumentaria a segurança energética e reduziria a poluição do ar local. Diminuir a dependência de importações de combustíveis fósseis também ajudaria a baixar o preço da eletricidade, o que deve ser uma prioridade, diante dos desafios que o governo chileno enfrenta na redução das desigualdades.

2. Melhorar a segurança hídrica

A nova NDC também poderia ter estabelecido metas de adaptação mais fortes para o setor de água – como novas ferramentas de gestão hídrica para uma agricultura mais sustentável ou a reforma do Código da Água de 1981, a fim de regular o mercado seguindo a ciência climática mais recente. A segurança hídrica e a gestão sustentável da água são vitais para preservar os benefícios econômicos e sociais do setor agrícola chileno, incluindo a geração de empregos. A agricultura emprega 9% da população economicamente ativa do Chile e, incluindo a pecuária, representa a principal atividade econômica no centro e no sul do país.

O Chile passou por uma seca profunda na última década. Em 2019, 17 governos locais declararam estado de emergência na agricultura, o que gerou mudanças significativas no uso da terra e reduções no cultivo de trigo. O cultivo da uva e a produção de vinho são commodities de exportação chilenas que dependem fortemente do abastecimento de água. À medida que as mudanças climáticas causam mais secas e os reservatórios de água esvaziam, a produção agrícola pode diminuir, fazendo com que o Chile perca sua posição competitiva no mercado global – atualmente o país figura entre os 10 principais exportadores agrícolas do mundo.

A NDC do Chile inclui o reforço do monitoramento das bacias hidrográficas e estabelece o objetivo de criar planos estratégicos para todas as bacias hidrográficas do país até 2030. Esse é um passo na direção certa – mas esperar até 2030 para começar a melhorar o uso e a gestão da água colocará em risco a segurança hídrica e agrícola do país.

O valor de passos maiores e mais ousados

<p>imagem de uma pessoa em meio a plantação de uva</p>

O setor agrícola do Chile depende da adaptação do uso dos recursos hídricos às mudanças climáticas (foto: Daniel Garcia Neto/Flickr)

Hoje, o Chile enfrenta não apenas as mudanças climáticas, mas os impactos econômicos da Covid-19. O país continua trabalhando para reduzir as desigualdades sociais e econômicas, as quais provavelmente serão acentuadas pela Covid-19 e pelas mudanças climáticas.

O Chile deve usar sua nova NDC como impulso para usufruir os benefícios sociais e econômicos que um futuro de zero carbono pode trazer. Felizmente, o país deu um passo adiante que será inspiração para que outros países invistam em planos climáticos que gerem crescimento econômico sustentável, criem oportunidades de trabalho verdes e protejam as pessoas.