Este blog foi publicado originalmente no WRI Insights.


Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU em 22 de setembro, o presidente da China, Xi Jinping, anunciou que o país vai aumentar a escala de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) para combater as mudanças climáticas. A China planeja adotar políticas e medidas mais vigorosas para atingir o pico das emissões de dióxido de carbono antes de 2030 e a neutralidade em carbono antes de 2060.

O anúncio está entre os mais significativos sinais de progresso no que diz respeito aos esforços dos países para mitigar as mudanças no clima desde o Acordo de Paris em 2015. No futuro, serão necessários esclarecimentos sobre qual o compromisso exato, e é provável que ainda mais ambição seja necessária também. A seguir, estão quatro pontos essenciais para entender esse importante acontecimento.

1. O que exatamente há de novo?

O anúncio marca a primeira vez que a China estabelece um horizonte de longo prazo concreto para atingir a neutralidade em carbono. Isso significa que até 2060 ou o país vai interromper totalmente as emissões de dióxido de carbono ou – o que é mais provável – usar diversos meios para remover da atmosfera o equivalente às emissões remanescentes.

Xi também afirmou que a China vai buscar atingir o ponto máximo das emissões “antes de 2030”, uma mudança em relação à NDC inicial do país no Acordo de Paris, que fazia menção ao pico “por volta de 2030, com os melhores esforços possíveis para que aconteça antes”. Embora a nova formulação mude o prazo para que o ponto máximo seja atingido mais cedo, ainda não está claro em qual ano isso deve ocorrer, o que deixa uma porta aberta para novos potenciais anúncios de fortalecimento desse compromisso no futuro. Isso poderia acontecer, por exemplo, como resposta a novos compromissos anunciados por outros países ou regiões.

2. Como as novas metas da China impactam os esforços globais de combate às mudanças climáticas?

É difícil enfatizar o suficiente o quanto a promessa de neutralidade de carbono da China é transformadora para os esforços internacionais de limitar as mudanças climáticas. O Climate Action Tracker (em português, “Rastreador da Ação Climática”) estima que, se a China atingir essa meta, as projeções de aquecimento global vão baixar em torno de 0,2°C a 0,3°C. Essa promessa ajuda o mundo dar um grande passo para atingir as metas do Acordo de Paris e evitar os piores impactos das mudanças climáticas.

Dito isso, o IPCC concluiu que as emissões líquidas globais de dióxido de carbono precisam chegar a zero em média em 2044, e as de gases de efeito estufa (GEE) em 2066, para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. O prazo para zerar as emissões líquidas de GEE é maior porque alguns dos gases que não o dióxido de carbono, como o metano, são mais difíceis de eliminar, mas extremamente potentes e podem elevar as temperaturas no curto prazo.

O mundo ainda pode cumprir a meta do Acordo de Paris mesmo se os países zerarem as emissões líquidas em tempos diferentes. No entanto, para que isso funcione, quaisquer emissões líquidas positivas de um país em 2044 (dióxido de carbono) e 2066 (GEEs) precisarão ser equilibradas com as emissões líquidas negativas em outro país. Dada a grandeza das emissões da China, a conta pode não fechar se a meta de neutralidade envolver apenas o dióxido de carbono.

O compromisso da China de se tornar neutra em carbono até 2060 é um enorme progresso, mas que chega 16 anos atrasado em relação ao que o IPCC recomenda para atingir a meta de 1,5°C. Os principais emissores, como a China, precisam aderir a essa recomendação.

Outros 19 países e a União Europeia adotaram metas de zerar emissões líquidas, e mais de 100 estão considerando fazer o mesmo. As metas atuais percorrem uma variedade de prazos; a maioria dos países menciona anos específicos entre 2030 e 2050, enquanto outros, como Singapura e Japão, usam referências mais gerais à segunda metade do século. A União Europeia, que até o anúncio da China era a maior jurisdição (na posição de terceiro maior emissor do mundo) com uma meta semelhante, comprometeu-se a zerar as emissões líquidas de GEE até 2050. Os Estados Unidos, atualmente o segundo maior emissor do mundo e de longe o maior responsável pelo histórico de emissões, sob a atual administração não tem planos de anunciar qualquer meta de longo prazo.

3. Como os objetivos climáticos da China para 2030 se relacionam com sua meta de neutralidade em carbono?

Embora a meta de longo prazo da China não cubra outros GEE que não o dióxido de carbono, o país também precisa reduzir as emissões desses gases – hoje, as emissões atuais de outros GEE na China têm um impacto no aquecimento global maior do que todos os GEE emitidos pelo Japão ou pelo Brasil. A aprovação de políticas para lidar com esses gases no compromisso climático de 2030 poderia facilitar sua inclusão na visão de longo prazo da China.

Uma pesquisa do WRI mostra que a China pode estabilizar as emissões de outros gases ainda nos primeiros anos da década de 2020. Esse prazo é uma década mais cedo do que o previsto nas trajetórias atuais e poderia fazer com que o total das emissões chinesas de GEE que não o dióxido de carbono retornasse aos níveis de 2012 antes de 2030.

A China também precisa atualizar seus compromissos para 2030 relativos ao dióxido de carbono a fim de alinhar as ações de curto e médio prazo com sua visão de longo prazo. Fazer isso aumentaria a credibilidade da meta de neutralidade em carbono e cortaria custos de longo prazo.

Especialistas concluem que é tecnicamente possível e economicamente viável para a China estabelecer metas mais ambiciosas para 2030. Um estudo publicado na Nature Sustainability descobriu que a as emissões de dióxido de carbono na China poderiam atingir o ponto máximo mais cedo, entre 2021 e 2025. Uma análise da Energy Foundation China indica que a parcela de energia não proveniente de combustíveis fósseis também poderia ser ampliada para até 25% até 2030, cinco pontos percentuais a mais do que o estipulado na atual NDC. De acordo com a Cambridge Econometrics, a escala de investimento para alinhar as ações de curto e médio prazo da China com sua visão de longo prazo para 2060 poderia gerar ganhos econômicos líquidos – potencialmente aumentando o PIB do país em até 5% até o fim desta década.

4. Como a China pode cumprir essas metas ambiciosas?

Uma vez que muitas das tecnologias de remoção de carbono são caras, a primeira e mais importante tarefa para a China é reduzir as emissões causadas pela atividade humana para o mais próximo de zero possível e então equilibrar as emissões remanescentes com uma quantidade equivalente de remoção de carbono.

Como muitos investimentos têm um ciclo de vida longo, para se aproximar de zero emissões a China precisa interromper ou restringir imediatamente o investimento em infraestruturas emissoras de carbono que não possuam capacidade de armazenamento ou captura, além de melhorar consideravelmente a eficiência de equipamentos que consomem energia. Caso contrário, o país precisaria arcar com os custos de uma aposentadoria precoce desses sistemas intensivos em carbono.

De acordo com o Global Energy Monitor (Monitor Global de Energia, em português), a China tem 98.520 megawatts (MW) em usinas termelétricas a carvão em construção e outros 153.726 MW em diferentes etapas de planejamento, segundo dados de julho de 2020. Se construídas, essas usinas correm o risco de se tornar ativos perdidos e atrapalhariam os esforços da China em busca da neutralidade em carbono.

Outras ações de curto prazo incluem habilitar o despacho de energia verde – que prioriza o despacho de eletricidade renovável e de baixo custo em detrimento da eletricidade gerada por carvão – e outros incentivos para promover a energia renovável, exigir padrões de eficiência energética industrial atualizados continuamente e acelerar a eletrificação de veículos de transporte.

Dentro de alguns anos, a China também precisa aumentar os investimentos em armazenamento de energia, rede elétrica e tecnologias de hidrogênio; reduzir a demanda por produtos industriais (aço, cimento, plásticos, produtos químicos etc.); desenvolver alternativas para esses produtos; eletrificar o abastecimento de energia para as indústrias; e promover uma mudança sistêmica para meios de transporte de baixo carbono. Muitas dessas medidas estão alinhadas com o plano do país para “novas infraestruturas”, como 5G, internet das coisas, internet industrial, computação em nuvem, blockchain, centros de dados, centros de computação inteligente e transporte inteligente.

Por último, mas não menos importante: a China precisará destravar totalmente o potencial de reflorestamento, restauração de zonas úmidas e outras soluções baseadas na natureza para fortalecer os sumidouros de carbono, o que trará benefícios ambientais, econômicos e sociais. O país também deve intensificar a demonstração em larga escala da captura e armazenamento de carbono proveniente de fontes pontuais de emissões, o que pode ajudar a promover tecnologias promissoras, como bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECCS, na sigla em inglês) e captura e armazenamento direto do ar (DACS, na sigla em inglês). Ampliar o trabalho de pesquisa, o desenvolvimento e a demonstração de tecnologias BECCS e DACS também é essencial.

As novas promessas climáticas da China representam um estímulo animador em um momento em que os impactos das mudanças climáticas estão mais evidentes do que nunca. O mundo, agora, observa para ver como o gigante asiático vai transformar essas promessas em ação.