Pouco antes de assumir seu mandato em janeiro de 2020, a prefeita Claudia López assumiu o compromisso de redesenhar uma importante via arterial de Bogotá, a fim de transformá-la em um corredor verde para a mobilidade ativa e sustentável. Para tanto, a prefeita também se comprometeu a promover um processo de planejamento com ampla participação social – uma tarefa um tanto intimidante em uma cidade com nove milhões de habitantes.

Conhecida desde o século XVI como Calle Real, a Avenida Séptima é considerada por muitos como a mais importante de Bogotá, estendendo-se por 23 quilômetros e atravessando a zona leste da cidade. Talvez seja a única via que percorre todas as faixas de renda do município, dos mais pobres aos muito ricos. Também é o espaço mais debatido na capital colombiana.

<p>imagem da avenida séptima na dácada de 1930</p>

A Avenida Séptima no centro de Bogotá na década de 1930, com pedestres e bondes elétricos predominando entre os meios de transporte (Foto: Allen Morrison)

Ao longo dos últimos 70 anos, a Séptima se tornou um gargalo no trânsito da cidade, com seis pistas pelas quais os carros se arrastam a menos de dez quilômetros por hora. Mesmo com uma linha laranja demarcando uma faixa preferencial para os ônibus, o transporte coletivo não é prioridade na via e circula na mesma velocidade dos veículos. As bicicletas só recentemente foram contempladas com alguns avanços em termos de segurança e velocidade depois que a cidade reorganizou as prioridades na via, em março de 2020, com a implementação de ciclovias de emergência em resposta à pandemia Covid-19.

Desde 2000, foram sete tentativas de modernizar e redesenhar a Séptima, cada uma sendo bem-sucedida apenas em amargar ainda mais as relações entre a administração municipal e os moradores da avenida, que não viam suas necessidades refletidas nas propostas de redesenho. A última tentativa culminou em uma ação judicial movida por várias partes contra a cidade, no final de 2019, por falta de um processo de participação adequado por meio do qual a comunidade pudesse contribuir.

No início de 2020, quando anunciou o novo projeto de corredor verde, a prefeita prometeu um processo participativo abrangente para receber diretamente dos moradores propostas descrevendo quais mudanças gostariam de ver na avenida – com a única condição de que fossem priorizados meios de transporte “verdes”, como caminhada, bicicleta e modos elétricos. Historicamente, as vozes da ala mais rica da avenida, que tendem a clamar por mais acesso para os carros e motoristas, acabaram abafando as opiniões dos moradores de baixa e média renda, que representam 69% dos deslocamentos feitos na via e usando transporte público.

<p>imagem da prefeita de bogotá durante processo participativo</p>

A prefeita de Bogotá, Claudia López, inaugura o processo participativo da Séptima Verde escrevendo “mais bicicletas, mais pedestres, mais felicidade, menos poluição, mais vida” em um mural coletivo para o qual as pessoas são convidadas a contribuir (Foto: Instituto de Desarrollo Urbano, Bogotá)

Em outubro, a cidade lançou a campanha Séptima Verde, uma ação abrangente convocando as pessoas a enviarem propostas escritas reimaginando a avenida. Como os meios de transporte sustentáveis deveriam ter prioridade, as propostas precisariam redistribuir o espaço viário existente, o que gerou um desafio para o engajamento da população. Sem uma representação visual clara, é difícil para os moradores enxergarem o que pode ser feito em uma via.

Foi aí que entrou o Streetmix, uma plataforma online open-source (de código aberto) que permite a qualquer pessoa com acesso à internet criar e editar ruas existentes usando ferramentas de arrastar e soltar elementos e um menu pré-configurado de opções de mobilidade. Lançado em 2013 como resultado de um exercício de programação cívica do Code for America, o Streetmix se tornou uma ferramenta valiosa tanto para planejadores urbanos experientes quanto para organizações comunitárias e o público em geral. Ao longo dos últimos anos, a NUMO, aliança pela Nova Mobilidade Urbana, apoiou e trabalhou com o Streetmix no desenvolvimento de gráficos para representar veículos autônomos, um indicador de capacidade das ruas (o número máximo de pedestres que podem se deslocar por hora nas calçadas) e um iniciativa de aprendizado de máquina para interpretar quão “alegre” é uma rua.

<p>imagem da plataforma streetmix</p>

A página introdutória da versão oficial do Streetmix, plataforma que os usuários podem usar para redesenhar uma rua (fonte: www.streetmix.net)

Em outubro de 2020, por duas semanas, Bogotá fez uma parceria com a NUMO para criar no Streetmix (com a ajuda de programadores da TAK Colômbia) uma versão personalizada da Avenida Séptima para usar no processo participativo. Usando a plataforma, os participantes puderam criar e enviar suas próprias propostas de redesenho, indicando sua visão para 15 trechos ao longo da avenida medidos em escala e recriados online. Essa versão da plataforma também incluiu uma análise de emissões do Fórum Internacional de Transporte e estimativas de capacidade da Iniciativa Transformadora da Mobilidade Urbana (TUMI) para calcular as emissões de CO2 das mudanças propostas para a rua.

Durante as duas semanas de consulta, foram quase sete mil propostas de seis mil usuários, 91% das quais atenderam a todos os requisitos solicitados. O Streetmix salva cada proposta em código, o que permitiu à NUMO realizar uma análise precisa do que os participantes querem ver na nova avenida – de transporte coletivo a espaços para pedestres e ciclistas. Com essa análise, a cidade pode trabalhar com as ideias daqueles que de fato usam a avenida.

<p>imagem da plataforma streetmix</p>

Duas das quase sete mil propostas enviadas para os 15 trechos selecionados ao longo da Avenida Séptima, muitas das quais priorizaram transporte coletivo e espaço para pedestres e ciclistas em detrimento dos modos individuais motorizados

Os resultados mostraram que os participantes deram prioridade para os modos ativos e compartilhados, criando modelos de rua que, no total, destinaram 56% mais espaço para bicicletas e skates e 74% mais espaço para o transporte coletivo do que o desenho original, além de reduzir o espaço destinado aos automóveis particulares em 19%. No geral, as propostas representaram uma redução média de 6% nas emissões para a avenida e de até 26% em um único segmento analisado. Os participantes indicaram sua preferência por aumentar a capacidade priorizando os modos ativos e o transporte coletivo. Além disso, 248 propostas incluíram veículos autônomos, indicando a abertura da população de Bogotá em relação a mudanças e inovações nesse sentido.

<p>gráfico mostra análises quantitativas das propostas de redesenho</p>

Análises quantitativas das propostas de redesenho comprovaram que as pessoas gostariam de mais espaço para pedestres, ciclistas e para o transporte coletivo (Imagem da análise da NUMO)

Graças ao Streetmix, muito mais moradores participaram dessa última tentativa de Bogotá de redesenhar a Séptima Verde. A cidade agora está usando as ideias recebidas, juntamente com informações relevantes provenientes do trabalho de engenharia realizado no ano anterior, para preparar os projetos finais. Quanto ao Streetmix, a plataforma planeja mesclar as ruas no modelo já existente, para que qualquer um que queira continuar redesenhando e reimaginando trechos da Séptima tenha a possibilidade de fazê-lo.

A experiência de Bogotá pode servir de exemplo para outras cidades repensarem a distribuição do espaço e o desenho de sua infraestrutura para criar ambientes mais seguros, sustentáveis, justos e alegres para as pessoas. O sucesso dessa fase do processo de redesenho da Séptima Verde mostra que é possível envolver melhor os moradores na remodelação dos espaços urbanos para construir ruas e cidades onde as pessoas realmente queiram viver. E podemos nos divertir no processo, como no caso das 235 propostas que incluíram pelo menos um faixa para tapetes mágicos.

<p>gráfico mostra proposta de redesenho de uma criança de 10 anos, que incluir um tapete voador</p>

Uma das propostas, enviadas por um participante de 10 anos, incluiu espaço para pedestres, ciclistas, transporte coletivo, tapetes mágicos e área de alimentação. Note-se que os carros não integram a proposta.


Este blog foi publicado originalmente no The City Fix.

Carlos F. Pardo é Conselheiro Sênior da NUMO, a aliança da Nova Mobilidade Urbana.