As expectativas para a Conferência do Clima das Nações Unidas em Glasgow, Escócia – a COP26 – eram grandes. Realizada depois de 20 meses de pandemia, após ser adiada em 2020, a conferência era vista como a grande oportunidade para se definir ações que levariam o mundo a conter o impacto das mudanças climáticas a um aumento de no máximo 1,5°C na temperatura média da Terra comparado ao período pré-industrial.

Esse objetivo não foi alcançado. A COP26 se encerrou com o Pacto de Glasgow, um documento assinado pelos países que deixou a desejar em termos de ambição. Contudo, apesar de não ter dado garantias ao cumprimento desse limite, Glasgow teve o papel de manter 1,5°C vivo. Além do compromisso oficial, foram assinados na Escócia uma série de compromissos independentes que podem contribuir para a redução de emissões e limitar as mudanças climáticas.

Entenda abaixo o que significaram as duas semanas de negociações entre países para o Brasil e para o mundo.

O Brasil na COP26: contribuições estagnadas

Em uma tentativa de mostrar uma mudança de atitude do governo brasileiro em relação ao combate às mudanças climáticas, o Brasil assumiu um novo compromisso na COP26 de mitigar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, usando como linha de base o ano de 2005 e como referência o Quarto Inventário Nacional de Emissões. Esse compromisso é igual ao assumido pelo Brasil em 2015, mas maior do que o compromisso assumido na NDC (a Contribuição Nacionalmente Determinada, como são chamadas as metas e compromissos voluntários assumidos por cada país dentro do Acordo de Paris) anunciada pelo então ministro Ricardo Salles em dezembro de 2020, onde o Brasil literalmente reduziu seu nível de contribuição à mitigação das mudanças climáticas. Portanto, o Brasil chegou ao fim desta COP26 com o mesmo nível de ambição que se comprometeu em Paris há seis anos, que segue sendo insuficiente para alcançar o objetivo de manter o aumento da temperatura do planeta em até 1,5°C comparado a níveis pré-industriais.

Além da nova meta, o Ministério do Meio Ambiente apresentou diretrizes para a agenda estratégica voltada à neutralidade climática. Entre as medidas, estão:

  • Zerar o desmatamento ilegal até 2028: 15% por ano até 2024, 40% em 2025 e 2026, e 50% em 2027, comparando com o ano de 2022;
  • Restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas até 2030;
  • Alcançar, em 2030, a participação de 45% a 50% das energias renováveis na composição da matriz energética;
  • Recuperar 30 milhões de hectares de pastagens degradadas;
  • Incentivar a ampliação da malha ferroviária.

Ainda faltam detalhes de como essas ações serão colocadas em prática e clareza sobre o que significa cada número. Para que essas diretrizes tenham efeito, é importante que sejam formalizadas e detalhadas – por meio de políticas públicas.

Por fim, a divulgação dos dados de desmatamento da Amazônia pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), em 18/11/2021,acende um alerta sobre o quão comprometido o Brasil está de fato com a agenda climática. Os dados não apenas mostraram a maior taxa de desmatamento dos últimos 15 anos, ultrapassando os 13 mil km2 de florestas derrubadas, como também foram divulgados apenas após a COP26, levantando questionamentos sobre transparência dos dados.

Outros compromissos assumidos pelo Brasil: florestas e metano

O Brasil também assumiu outros dois compromissos na primeira semana da COP26: a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra e o Compromisso Global de Metano. A Declaração dos Líderes sobre Florestas foi liderada pelo Reino Unido e conta com 110 países, representando 85% das florestas do planeta, e tem como objetivo principal acabar com o desmatamento até 2030. No texto, não há diferenciação entre desmatamento legal ou ilegal, e congressistas brasileiros presentes da COP26 fizeram questão de ressaltar que o compromisso do Brasil deveria se restringir a desmatamento ilegal. Todavia, segundo o MapBiomas, 99% do desmatamento que ocorre no país hoje é proveniente da ilegalidade, o que sugere que se o Brasil impuser a sua legislação, isso será suficiente, tanto para o cumprimento da Declaração, quanto para a preservação do bioma.

O texto também conta com promessas dos líderes de aumentar os esforços de conservação florestal e de ecossistemas terrestres, acelerando sua recuperação e facilitando o comércio sustentável. A declaração reconhece o poder das comunidades locais, incluindo os povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, que geralmente são afetados de forma negativa pela exploração comercial e degradação das florestas. No mais, o compromisso também inclui promessas de restruturação de políticas agrícolas; programas para reduzir a fome; beneficiar o meio ambiente; facilitar o financiamento para reverter perdas e degradação florestal; e acelerar a transição para uma economia verde. Importante ressaltar que a Declaração não prevê penalidades para qualquer descumprimento do acordado pelos signatários.

O Compromisso Global de Metano reúne um grupo de 103 países, liderados pelos Estados Unidos e pela União Europeia, e tem como objetivo principal reduzir as emissões do gás metano em 30% até 2030. É importante ressaltar que o metano causa mais danos à atmosfera do que o CO2. Dessa forma, a iniciativa desses países de mitigar a emissão desse gás tem grande potencial para a meta de 1,5°C. O Brasil está entre os signatários, o que é significativo, uma vez que o país produziu em 2016 cerca de 19.333 Gg de metano, sendo 76,1% proveniente da atividade agropecuária. No mais, vale destacar que já existem tecnologias e práticas disponíveis para redução das emissões na atividade pecuária – como melhoria da alimentação para que o ciclo pecuário reduza de 3,5 anos para 2 anos, entre outras. O ponto crítico é o setor pecuário começar a empregar esforços para mitigar as emissões de metano em termos absolutos, a fim de cumprir com o propósito do compromisso assumido.

O Pacto de Glasgow: alguns avanços, mas atraso na questão do financiamento

Para além as contribuições individuais dos países e compromissos multilaterais, a COP26 encerrou com o Pacto de Glasgow. O único que resulta de todo o processo de negociação que culmina em uma COP. Em referência à mitigação das mudanças do clima, o Pacto coloca o objetivo de 1,5°C no centro dos esforços globais – um avanço em relação ao Acordo de Paris, cuja menção expressa era “bem abaixo de 2°C”. Para atingir esse objetivo, Glasgow reconhece que será necessária uma redução das emissões globais de carbono em 45% até 2030 em relação ao nível de 2010 e a obtenção de emissões zero líquidas (uma emissão equivalente ao que se elimina da atmosfera, levando a um total de zero emissões) em meados do século, bem como reduções significativas de outros gases de efeito estufa.

A questão é como atingir essas metas em prazo tão curto. Contabilizadas todas as NDCs depositadas pelos países até o momento, é estimado que em 2030 as emissões globais estejam 13,7% maiores do que em 2010. Por isso, foi criado um grupo de trabalho para escalar a ambição no âmbito da mitigação e a implementação de ações.

O Pacto de Glasgow também encoraja os países a acelerar a transição para energia de baixa emissão, incluindo esforços para a eliminação progressiva de energia proveniente de usinas de carvão que não utilizem tecnologias de mitigação, como captura de carbono (CCS) e captura e utilização de carbono (CCUS). Ademais, o Pacto foi pioneiro em encorajar a redução de subsídios aos combustíveis fósseis ineficientes, reconhecendo a necessidade de apoio para uma transição justa.

Glasgow também olhou para a questão da transparência. Os países foram encorajados a usarem marcos temporais comuns para os seus compromissos climáticos. Isso significa que as novas NDCs submetidas em 2025 devem ter seu término em 2035, e as que forem submetidas em 2030, em 2040. O alinhamento das metas das NDCs em ciclos de 5 anos ajuda a entender o progresso da ambição e ação climática no curto prazo.

Todos os países concordaram em enviar informações sobre suas emissões e apoio financeiro, tecnológico e de capacitação, usando um conjunto comum e padronizado de formatos e tabelas. Isso tornará os relatórios mais transparentes, consistentes e comparáveis. Este é um benefício para a comunidade global, para melhor responsabilizar os países pelo que eles dizem que farão.

Artigo 6: aprovadas as regras para o mercado de carbono internacional

Uma das maiores vitórias do Pacto de Glasgow foi a aprovação das regras do Artigo 6 do Acordo de Paris. Esse artigo trata do mercado de carbono internacional. Foi uma discussão que durou cinco anos e teve forte influência da diplomacia brasileira, que conseguiu que as regras permitissem que projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo de 2013 para frente, herdados do Protocolo de Quioto, fossem carregados para a era do Acordo de Paris. Essa herança era controversa por funcionar como uma espécie de desconto do quanto se deve reduzir de emissões. O mercado agora pode começar com passivo de aproximadamente 320 milhões de toneladas de CO2.

Outro ponto controverso resolvido foi evitar a possibilidade de uma dupla contagem, onde dois países poderiam deduzir os mesmos créditos de carbono de suas NDCs, diluindo a finalidade da criação do mercado de contribuir para a aceleração da redução de emissões de CO2 no planeta. Nesse sentido, foi decidido que quando um país vende uma quantidade de créditos de carbono, ele deve incluir o valor vendido em sua NDC, da mesma forma que o país comprador deve subtrair esse mesmo valor da sua NDC. Desta forma, o valor transacionado não é contado duas vezes, tanto pelo comprador, como pelo vendedor. Também foi decidido que esses ajustes correspondentes devem ser realizados tanto em créditos com autorizações nacionais quanto em créditos sem autorizações nacionais. Porém nem todos os pontos do Artigo 6 foram resolvidos. Ainda não houve consenso sobre a utilização de créditos de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD) na contabilização dos créditos comercializados no sistema de cap and trade previsto no Artigo 6.2. A utilização dos créditos florestais no Artigo 6.4 foi prevista, mas ainda depende da definição de metodologia específica para que se torne operacional.

Avanço nas perdas e danos, atraso no financiamento

Um dos pontos negociados que resultaram em avanço importante em Glasgow foi no tema de perdas e danos. As mudanças climáticas já causam perdas de vidas, renda, terras, entre outros recursos, algumas de forma permanente. O grupo dos países mais vulneráveis desejava a criação de uma estrutura de financiamento exclusiva para perdas e danos, mas países desenvolvidos como os Estados Unidos foram contrários. De concreto e em paralelo ao Pacto, países como Escócia e Bélgica se comprometeram a doar cerca de US$ 3,7 milhões para o tema, abrindo um precedente inédito. Glasgow também determinou a operacionalização e financiamento da Rede de Santiago, criada na COP25 com o intuito de viabilizar assistência técnica a países vulneráveis a perdas e danos.

A COP26 deveria ser a que selaria a disponibilidade de recursos para financiamento de ações de combate as mudanças climáticas na próxima década. Porém, os países desenvolvidos falharam em aportar os prometidos US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020. Estimativa recente mostra que as finanças climáticas alcançaram US$ 79,6 bilhões em 2019. A demora no aporte desses recursos implica em atrasos no combate às mudanças climáticas, tempo que não temos a perder. Portanto, ficou determinado que na próxima COP os países apresentem metas de financiamento mais agressivas, especialmente para adaptação. Ademais, o Pacto de Glasgow instiga que países desenvolvidos dobrem as suas contribuições ao Fundo de Adaptação até 2025, o que pode significar US$ 40 bilhões para esse propósito todo o ano.

Financiamento Independente

Para além das promessas de financiamento no âmbito da UNFCCC, grupos de empresas e investidores também apresentaram anúncios de financiamento climático. A Aliança Financeira de Emissões Zero de Glasgow (GFANZ), que reúne investidores e instituições financeiras e é responsável pela administração de US$ 130 trilhões, prometeu assumir uma parcela da descarbonização. No âmbito da Declaração de Florestas, houve o compromisso de aportar US$ 12 bilhões para combater o desmatamento e recuperação de áreas degradadas. No mesmo sentido, os EUA anunciaram US$ 9 bilhões para recuperação e proteção das florestas do mundo até 2030.

Por fim, Jeff Bezos anunciou US$ 2 bilhões para financiar a recuperação da natureza e transformar sistemas alimentares. Também foi criado o Financiamento Inovador para Amazônia, Cerrado e Chaco, com aporte de US$ 3 bilhões, para garantir que a produção de gado e soja não contribua para o desmatamento na América do Sul.

Ao analisar todos esses compromissos, nota-se uma tendência de escalar os financiamentos privados e direcionados à recuperação e proteção florestal. Entretanto, ainda é incerto como aportes como esse chegarão na ponta, sob qual mecanismo de governo, e com qual impacto social.

Até a próxima COP

Pontos críticos para posicionar a humanidade diante de um aumento de temperatura da Terra de apenas 1,5°C ficaram para serem resolvidos na COP27: ações ambiciosas para combater as mudanças climáticas e financiamento para essas ações, principalmente em países mais pobres e vulneráveis. Importante lembrar que as questões climáticas estão entrelaçadas com questões sociais e econômicas. E exatamente por isso a justiça climática voltou a ser um tema das ruas, plenárias e corredores da COP, trazendo pressão para as mesas de negociação.

Na COP27, os países deverão apresentar metas mais fortes de redução de emissões para 2030 com o objetivo de fechar a lacuna para limitar o aquecimento global.

No caso brasileiro, será preciso atestar com ações, e com a apresentação de uma NDC e uma estratégia de longo prazo mais ambiciosas, o compromisso do país de cumprir o que assinou embaixo em Glasgow. Os dados do Inpe de desmatamento revelados logo depois da Conferência do Clima mostram que há muito a fazer e cumprir – a começar pelas leis.