Para dar início à tão esperada Conferência do Clima da ONU (COP26), líderes das 20 maiores economias do mundo se juntaram a outros chefes de estado em Glasgow, logo após a reunião do G20 em Roma. A Cúpula de Líderes Mundiais, que aconteceu nos primeiros dois dias da COP26, teve mais de 100 anúncios e discursos de alto nível, estabelecendo o tom para as duas semanas da conferência.

Embora tenham sido feitos diversos anúncios relevantes que ajudarão a impulsionar a ação climática global, os negociadores ainda terão muito trabalho para preparar o caminho para mais avanços nos próximos dias.

A seguir, um resumo do andamento das discussões até agora.

Pouco avanço na Cúpula do G20 em Roma

Em um comunicado final, as nações do G20 reconheceram a importância de fortalecer a ação climática em âmbito nacional ainda nesta década e se comprometeram a revisar e aumentar suas metas de redução de emissões para 2030, quando necessário. O anúncio deve abrir caminho para que os negociadores na COP26 cheguem ao acordo de que os principais emissores fortaleçam ainda mais suas metas para 2030 nos próximos dois anos, a fim de manter a meta de 1,5°C do Acordo de Paris ao alcance.

A mensagem inequívoca que as nações do G20 passaram quanto a interromper o financiamento de usinas a carvão sem abatimento de carbono no exterior é significativa, mas os países falham em não tomar a medida óbvia de parar de construir esse tipo de usina também dentro de casa. A construção de novas usinas a carvão garantirá um aquecimento futuro no momento em que as emissões precisam ser reduzidas o mais rápido possível. Mais anúncios sobre a eliminação de financiamento e geração de energia a partir do carvão são esperados durante a COP26.

Metas de redução de emissões boas e ruins reveladas em Glasgow

Antes da COP26, mais de 140 países enviaram planos climáticos atualizados para 2030 – ou as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – no âmbito do Acordo de Paris. Um pouco antes ou durante as negociações, muitos deles, incluindo grandes economias, atualizaram suas metas – para melhor, pior ou na média. Eis um panorama:

A Índia anunciou o compromisso de alcançar o zero líquido de suas emissões até 2070 e apresentou compromissos significativos de curto prazo para trabalhar em direção a essa meta. As novas metas incluem a promessa de instalar 500 gigawatts de eletricidade a partir de combustíveis não fósseis e garantir a geração de 50% da capacidade do país a partir de fontes renováveis. A Índia também se comprometeu a reduzir sua intensidade de carbono em 45% até 2030 e a cortar em 1 bilhão de toneladas suas emissões estimadas até 2030. Esses compromissos vão além do plano nacional climático atual e colocam o país em um caminho de desenvolvimento de baixo carbono, enviando fortes sinais a todos os setores sobre o que o futuro reserva.

<p>foto de líderes globais sentado na mesa da Cúpula de Líderes da COP26</p>

Narendra Modi, Primeiro Ministro da Índia, no Evento de Ação e Solidariedade para a COP26 em Glasgow (foto: Doug Peters/Gov. do Reino Unido)

O Brasil formalizou sua promessa de atingir emissões líquidas zero até 2050 – dez anos antes da promessa anterior. O país também definiu uma nova meta de redução de emissões: 50% até 2030. O impacto dessa meta, porém, não é maior do que a apresentada em 2015, o que significa que o Brasil não está no caminho para atingir sua meta de neutralidade climática até 2050. É fundamental que o país volte em breve com um compromisso maior de redução das emissões.

A China divulgou seu novo compromisso climático antes da COP26, o qual inclui um plano para atingir o pico de emissões até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060. O anúncio reitera a declaração do presidente Xi Jinping em dezembro de 2020 na Cúpula da Ambição Climática e apresenta apenas um modesto avanço em relação aos compromissos apresentados pelo país em 2015. A China precisa tomar mais medidas internas para controlar as emissões de gases de efeito estufa ainda nesta década, como mudar rapidamente sua matriz energética do carvão para energia eólica e solar, diminuir sua pegada de carbono até 2027 ou antes e atingir seu pico emissões de outros gases que não o CO2 (emissões essas que tiveram o mesmo impacto no aquecimento que o total das emissões de GEE da Rússia). Uma pesquisa do WRI indica que a China pode obter benefícios econômicos significativos ao adotar políticas climáticas ambiciosas.

A Nova Zelândia apresentou um plano climático atualizado com uma meta reforçada de redução de emissões para 2030: cortar as emissões pela metade em relação aos níveis de 2005.

A Argentina também reduziu seu limite de emissões de 359 milhões para 349 milhões de toneladas métricas de CO2 equivalente até 2030.

Uma onda de metas de zero líquido

Além da Índia, uma dúzia de outros países menores também fizeram promessas para zerar as emissões líquidas, incluindo: Mauritânia (neutra em carbono até 2030, com a condição de receber apoio internacional); Israel, Vietnã, Ruanda, Lituânia e Montenegro (todos até 2050); Nigéria (zero líquido até 2060); e Ucrânia (neutra em carbono até 2060). O anúncio da Nigéria é especialmente significativo, uma vez que a produção de petróleo e gás representa atualmente uma parcela importante da economia do país. No total, os países que cobrem mais de 70% das emissões globais definiram metas de zero líquido por meio de leis, políticas ou na forma de compromissos políticos claros.

<p>gráfico sobre quando países se comprometeram com o zero líquido</p>

De forma geral, os anúncios dos países se concentraram em peso nas metas de zero líquido, mas foram leves em relação a novas ações no curto prazo. Neste ponto, todos os países do G20, com exceção do México, expressaram alguma intenção de alcançar emissões líquidas zero. Mas chegar ao zero líquido nas próximas décadas não será possível sem metas robustas de redução de emissões para 2030.

Na verdade, muitos países do G20 atualmente não estão em uma trajetória realista para atingir suas metas de zero líquido, incluindo Austrália, China, Arábia Saudita, Brasil e Turquia, cujos compromissos não tiveram um reforço significativo em relação aos apresentados em 2015.

Em geral, as NDCs e as metas de zero líquido juntas ainda não atingem o necessário para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Ou seja, é imperativo que os países revisem suas metas para 2030 e alcancem reduções de emissões muito mais profundas ainda na década de 2020.

Uma pesquisa do WRI mostra que, se todos os países do G20 alinharem suas metas com um caminho dentro do limite de 1,5°C, esse grupo sozinho poderia limitar o aquecimento global a 1,7°C até o final do século, mantendo a meta de 1,5°C ao alcance.

Diversos líderes se comprometeram a preencher a lacuna de financiamento climático

Em uma tentativa de financiar ações climáticas urgentes, uma miríade de anúncios sobre financiamento climático foi feita por diversos países de alta renda.

O ministro escocês Nicola Sturgeon deu início à sequência de promessas anunciando £ 1 milhão (US$ 1,3 milhão) especificamente para apoiar países em desenvolvimento a administrar perdas e danos. Junto com o financiamento da adaptação, essa área da política climática é uma prioridade para os países vulneráveis ​​ao clima, pois ajudará a lidar com impactos climáticos extremos demais para serem combatidos apenas com medidas de adaptação.

Em um esforço para aumentar o financiamento destinado à adaptação, os Estados Unidos e o Canadá anunciaram suas primeiras contribuições para o Fundo de Adaptação – um marco importante para os países em desenvolvimento, já que são estes, em sua maioria, que respondem por onde esse financiamento é distribuído. A Suíça também se comprometeu a contribuir com US$ 11 milhões para o Fundo de Adaptação.


<p>Boris Johnson e Joe Biden em mesa da COP26</p>

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, falam durante o segundo dia da Cúpula de Líderes Mundiais na COP26. (Foto: Andrew Parsons/No 10 Downing Street)


Outros três países se destacam por seus esforços: a Espanha se comprometeu a aumentar seu financiamento climático em pelo menos 50% a mais do que atualmente até 2025, totalizando US$ 1,35 bilhão por ano; a Itália triplicará seu financiamento climático para chegar a US$ 1,4 bilhão por ano nos próximos cinco anos; e o Japão contribuirá com US$ 10 bilhões adicionais ao longo dos próximos cinco anos, além de dobrar o valor destinado à adaptação para US$ 14,8 bilhões e oferecer US$ 240 milhões para apoiar a conservação florestal global.

Mais do que isso: a África do Sul anunciou uma parceria histórica com França, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia para mobilizar US$ 8,5 bilhões iniciais nos próximos três a cinco anos para apoiar uma transição justa rumo a uma economia de baixas emissões e resiliente ao clima no país. Essa parceria é uma oportunidade sem precedentes para acelerar os investimentos em energia renovável na África do Sul, ao mesmo tempo em que garante uma transição justa para os trabalhadores à medida que o carvão é eliminado.

A parceria surge depois de o país ter apresentado uma meta climática ambiciosa para 2030, quase alinhada ao necessário para limitar o aquecimento a 1,5°C, com base em deliberações e análises técnicas feitas pela Comissão Presidencial do Clima.

Essas promessas são um passo na direção certa. Os países desenvolvidos devem aumentar os esforços para cumprir sua promessa anterior de oferecer US$ 100 bilhões por ano para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento (começando em 2020 e até 2025) e reconstruir a confiança perante as nações que precisam de financiamento para tomar medidas urgentes pelo clima.

O novo plano de entrega dos US$ 100 bilhões é um sinal de avanço, mas todas as promessas de financiamento devem ser complementadas por planos concretos durante as negociações da COP26; detalhes específicos ainda precisam ser acertados a partir desses sinais encorajadores a fim de ampliar a escala do financiamento da adaptação.

Novas promessas para proteger as florestas, acabar com o desmatamento e restaurar paisagens

Mais de 100 países – representando mais de 85% das florestas do mundo – se comprometeram a deter e reverter o desmatamento e a degradação de terras até 2030, com o apoio de US$ 19,2 bilhões em financiamento público e privado. Se bem-sucedida, essa promessa terá um papel importante no combate à crise climática; uma análise recente do WRI mostra que as florestas em todo o mundo podem absorver  1,5 vez mais carbono do que as emissões anuais dos Estados Unidos.

Muitos participantes apontaram que promessas anteriores de interromper o desmatamento não tiveram sucesso em reverter as tendências de aumento da perda de florestas, entre elas a Declaração de Nova York sobre Florestas, de 2014, que reuniu cerca de 40 países que prometeram reduzir o desmatamento pela metade até 2020 e zerá-lo até 2030. É significativo que, agora, novos países tenham se comprometido com a meta de 2030, incluindo o Brasil, que abriga a maior extensão de florestas tropicais do mundo, e a China, com sua grande pegada florestal por meio de fluxos de comércio e investimento.

<p>imagem de painel sobre florestas com líderes na COP26</p>

LR Mary Shapiro, Jennifer Morris, Elizabeth Corley, Fernanda Mello, Saker Nusseibeh e Frank Elderson falando no evento sobre florestas no SEC (Scotish Event Campus), em Glasgow (foto: Karwai Tang/Governo do Reino Unido)

Muitos dos países que assinam a Declaração de Glasgow precisariam fazer correções de rota significativas e em curto prazo para alinhar suas políticas e planos nacionais com o objetivo coletivo da Declaração de reverter e interromper o desmatamento. Portanto, responsabilizar os governos será essencial para que esse objetivo seja atingido.

Uma razão para ter otimismo é que a Declaração é apenas um elemento dentro de um pacote de iniciativas complementares anunciadas em Glasgow, destinadas a catalisar mudanças sistêmicas no comércio internacional, nos sistemas financeiros e nas políticas internas que impulsionam o desmatamento. Por exemplo, os compromissos de instituições financeiras para eliminar o desmatamento de suas carteiras de investimento devem encorajar as empresas que buscam financiamento privado a levar as florestas em consideração em suas tomadas de decisão, enquanto as promessas de novos financiamentos para apoiar os povos indígenas devem fortalecer as vozes desses atores essenciais na proteção das florestas.

Promessas para reduzir as emissões globais de metano

Mais de 100 países assinaram o Compromisso Global do Metano para reduzir as emissões desse gás – um aumento significativo em relação ao pequeno grupo de países envolvidos quando o compromisso foi anunciado pela primeira vez em setembro. As assinaturas cobrem quase metade das emissões globais de metano e 70% do PIB global.

Os signatários se comprometem a reduzir coletivamente as emissões de metano em pelo menos 30% até 2030, em relação aos níveis de 2020, o que levaria a uma redução no aquecimento global de pelo menos 0,2°C. Até o momento, 11 dos 20 maiores produtores de metano assinaram o compromisso – vários deles (incluindo China, Rússia e Índia), no entanto, ainda estão de fora.

Dentro do mesmo assunto, o Canadá se tornou o primeiro país a responder ao apelo da Agência Internacional de Energia por uma redução de 75% na meta de redução de metano até 2030 (em relação aos níveis de 2012), e a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos lançou uma proposta para limitar as emissões de metano nas infraestruturas novas e existentes de petróleo e gás. Se essas medidas forem implementadas, podem resultar em uma redução de emissões maior do que a quantidade de dióxido de carbono emitida por todos os carros de passageiros e aeronaves comerciais dos EUA em 2019.

Outros destaques relevantes ​​da Cúpula de Líderes Mundiais

  • Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido (GFANZ, na sigla em inglês): formada no início deste ano para pressionar o setor financeiro a se comprometer a atingir o zero líquido das emissões até a metade do século, a aliança agora controla mais de US$ 130 trilhões em ativos. Embora esse movimento seja um sinal positivo, ainda há uma grande desconexão entre as promessas e os fluxos de investimento atuais; no setor financeiro, mais recursos ainda vão para os combustíveis fósseis do que para alternativas amigáveis ​​ao clima. A credibilidade dessas metas reside nas instituições financeiras, que devem estabelecer trajetórias claras, cientificamente embasadas, e metas intermediárias, além de garantir maior transparência e responsabilidade.

  • Metas baseadas na ciência – orientação para empresas em busca de atingir o zero líquido: pouco antes da COP26, a iniciativa Science Based Targets lançou a primeira verificação mundial para metas corporativas de zero líquido. A orientação deve servir como um padrão ouro que as mais de 900 empresas já comprometidas a definir alinhadas ao limite de 1,5°C devem seguir para demonstrar liderança e evitar acusações de lavagem verde (greenwashing).

  • Coalizão First Movers: a nova iniciativa foi criada pelo Enviado Presidencial Especial para o Clima dos Estados Unidos, John Kerry, com o apoio do Departamento de Estado dos EUA e do Fórum Econômico Mundial. A coalizão, cujos membros incluem mais de duas dezenas de grandes empresas, visa descarbonizar as maiores indústrias emissoras, tornando as cadeias de abastecimento do setor privado mais verdes até 2030. Inicialmente, terá como foco quatro setores nos quais tem sido historicamente difícil reduzir emissões: aviação, transporte marítimo, aço e transporte rodoviário. Juntos, esses setores representam atualmente pelo menos 20% das emissões globais.

  • Energia solar: a Aliança Solar Internacional anunciou uma nova iniciativa, chamada Green Grids (“Matrizes Verdes”), criada para construir uma infraestrutura de energia solar interconectada em escala global, começando com uma parceria entre a Índia e o Reino Unido.

  • Oceanos: os Estados Unidos se tornaram o 15º país a se juntar ao Painel de Alto Nível para uma Economia Oceânica Sustentável. Com a adesão, todas as nações-membro assumem o compromisso de administrar de forma sustentável 100% das de suas águas nacionais e convocam outros países a se unirem elas na empreitada.

Quais resultados as negociações climáticas da COP26 precisam trazer

A atenção agora está voltada para as negociações formais em Glasgow. As discussões precisam trazer três resultados para manter o impulso em direção a um futuro de emissões líquidas zero e atender às necessidades dos países vulneráveis ​​ao clima:

Em primeiro lugar, as negociações da COP26 devem ser concluídas com um acordo entre os países de que, ao longo dos próximos dois anos, os principais emissores aumentem ainda mais suas metas de 2030 e estejam alinhados à meta de 1,5°C. A única maneira de manter esse objetivo ao alcance é se os principais emissores reduzirem rapidamente suas emissões ao longo da próxima década – e muito mais do que já se comprometeram a fazer.

Em segundo lugar, os países em desenvolvimento precisam poder confiar que as promessas de financiamento serão cumpridas. As nações desenvolvidas devem assegurar aos países em desenvolvimento que os déficits em 2020 e nos próximos anos serão preenchidos e que haverá um aumento significativo no financiamento para adaptação e perdas e danos. As negociações em Glasgow também devem abordar questões de qualidade do financiamento climático, especialmente para garantir que as necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento sejam atendidas sem criar dívidas adicionais.

Por fim, as regras pendentes do Acordo de Paris devem criar as condições adequadas para acelerar os esforços de redução de emissões e fornecer financiamento aos países em desenvolvimento. É mais importante definir regras adequadas do que adotar normas fracas que prejudicariam o acordo global.

Tudo isso precisa acontecer para que a COP26 seja bem-sucedida e garanta um futuro mais seguro, próspero e justo para todos nós.


Artigo publicado originalmente no WRI Insights.