A Mata Atlântica é o bioma é o mais desmatado do país, formando paisagens extensivamente degradadas e com poucos fragmentos florestais dispersos e isolados. Essa degradação faz com que o potencial da restauração com fins ecológicos na Mata Atlântica seja grande. Mas para além da restauração ecológica, há um grande potencial econômico nessa restauração. 

Como algumas das maiores capitais do país e grandes centros consumidores estão inseridos na Mata Atlântica, uma restauração que esteja conectada com a produção de alimentos, de produtos florestais não madeireiros e com as agendas de água e carbono pode fomentar uma economia florestal inovadora, boas para também para as pessoas e o meio ambiente. 

Nesse cenário, o papel de pequenas empresas e empreendedores que atuam na cadeia da restauração ou de agroflorestas é fundamental. São negócios que evitam a degradação da terra e buscam um modelo sustentável de uso da terra, e muitas vezes são empresas de base comunitária, com responsabilidade social, promovendo emprego e renda para comunidades locais. 

Esses empreendedores precisam de apoio. Em muitos casos, falta treinamento, capacitação, networking ou recursos financeiros para que sejam alavancados. É pensando nessas lacunas que o WRI Brasil e parceiros atuam na Aceleradora de Negócios Florestais. 

Acelerando empreendedores florestais 

A Aceleradora de Negócios Florestais se inspira no conceito de programas de incubação e aceleração de startups. Esses programas em geral incluem mentoria e componentes educacionais, e culminam em rodadas com investidores interessados em apoiar essas empresas. 

No caso da Aceleradora de Negócios Florestais, esse mesmo conceito foi aplicado com empreendimentos que atuam com restauração de paisagens e florestas ou com sistemas agroflorestais. O objetivo é trazer capacitação e treinamento, melhorando a gestão dos negócios e possibilitando trocas de experiências e intercâmbio entre as pessoas. 

Ao longo de 2023, a Aceleradora selecionou 20 negócios para receber treinamento e capacitação. Em uma segunda fase, esse número foi reduzido a 5 negócios, que além de uma capacitação mais direcionada, receberam apoio financeiro. Esses negócios mostram que as pequenas empresas podem ser atores importantes na restauração de florestas, contribuindo para dar escala à restauração no país. 

Abaixo, conheça alguns exemplos de como os negócios acelerados estão transformando a economia da floresta na Mata Atlântica. 

1. Produzindo alimentos de valor agregado a partir da floresta em pé 

A floresta em pé pode fornecer uma série de produtos florestais não madeireiros que, uma vez beneficiados e processados, resultam em alimento de qualidade para os grandes centros consumidores. 

Cooperativas de produtores estão bem-posicionadas para exercer esse papel. Na foz do Rio São Francisco em Alagoas, por exemplo, a Cooperativa Agroextrativista Aroeira de Piaçabuçu (Cooperarp) coleta os frutos da aroeira e de outras espécies florestais nativas da região para produzir doces, geleias e outros produtos de valor agregado. O carro-chefe da cooperativa é a pimenta rosa, uma iguaria muito utilizada em bebidas e drinks nos bares e baladas dos grandes centros urbanos, além de outros usos. 

Essa produção também pode estar intimamente ligada com a proteção de espécies nativas ameaçadas de extinção. Um exemplo no interior do Rio de Janeiro envolve a palmeira Jussara. Essa palmeira está ameaçada por conta da extração ilegal do palmito. Porém, o seu fruto pode ser processado e comercializado, resultando em um produto semelhante ao açaí da Amazônia. A empreendedora Luciane Menezes produz sementes e mudas de jussara, e coleta os frutos de sua propriedade para transformá-las em polpas, sorvetes, doces e outros produtos. 

Nesses dois exemplos, a recuperação de áreas para garantir a sobrevivência das espécies nativas e a coleta e produção agroextrativista promovem o duplo benefício de proteger a floresta e gerar emprego e renda para a comunidade, além de produzir alimentos deliciosos para o consumo.

2. Transformando agricultura e pecuária com árvores 

Outra forma com que as empresas podem impulsionar a restauração é a partir da inclusão de árvores em seus sistemas produtivos. Os Sistemas Agroflorestais (SAFs), por exemplo, são criados a partir da combinação do cultivo de espécies agrícolas com árvores. Já os sistemas integrados de Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF) combinam árvores com pasto para uma pecuária mais sustentável. 

Essa transformação pode ser feita a partir de modelos tradicionais. É o caso da Chácara das Sucupiras, no sul da Bahia. A Chácara usa um sistema tradicional de plantio de cacau sombreado - chamado cabruca - para produzir chocolate dentro da floresta. Esse sistema foi criado pelos produtores de cacau do sul da Bahia há séculos, e consiste em manejar a floresta para garantir a quantidade exata de luz do sol e sombreamento para o cacau, permitindo que ele produza a matéria-prima do chocolate e conservando a Mata Atlântica. A partir desse modelo, a Chácara das Sucupiras aplicou conceitos de agricultura biodinâmica para garantir um chocolate ambientalmente sustentável, economicamente viável, e delicioso. 

Já a Fazenda Mangalô, em Minas Gerais, buscou na inovação a forma de trazer árvores para o sistema produtivo. A fazenda produzia gado leiteiro. Para garantir o bem-estar animal e recuperar o solo e as pastagens, a fazenda começou a experimentar diferentes modelos de integração de árvores produtivas com o pasto. O objetivo é encontrar o ponto ideal entre luz solar e sombras para garantir que o pasto cresça para ser alimento do gado, mas também que a área tenha temperaturas mais amenas para os animais. Os dados coletados do rebanho da fazenda mostram que o conforto dos animais traz resultados positivos na melhora da qualidade da produção do leite. 

Os SAFs e sistemas silvipastoris se mostram uma alternativa viável para aumentar a cobertura florestal na Mata Atlântica, retirando carbono da atmosfera e melhorando a qualidade do solo, água e ar, e ao mesmo tempo sendo uma fonte viável de remuneração para produtores rurais e empresas. 

3. Conectando políticas e mercado de carbono com o pequeno agricultor 

Não será possível dar escala à restauração sem contar com o envolvimento dos milhões de pequenos produtores rurais e agricultores familiares. São eles que vivem da terra e que podem se tornar o fator-chave para reverter áreas hoje degradadas. 

No entanto, é muito comum faltar a esses produtores assistência técnica, recursos financeiros e apoio. Mesmo quando há uma política pública disponível para a restauração, o acesso nem sempre é possível. Foi pensando em enfrentar esse problema que a MV Gestão Integrada atua. Criada no Espírito Santo, onde o Programa Reflorestar é uma das políticas públicas estaduais mais bem-sucedidas para a restauração, a MV faz a ponte para garantir que os produtores rurais consigam acessar o recurso do Pagamento de Serviços Ambientais (PSA). Ao destravar esse recurso, os produtores protegem florestas e fazem a adequação legal ao Código Florestal.  

A empresa também faz inventário de emissões, o que pode abrir portas para que quem realmente restaura e protege florestas consiga acessar recursos de mercado de carbono

Década da restauração e Mata Atlântica 

O período atual foi definido pela ONU como a Década da Restauração dos Ecossistemas, e a Mata Atlântica é reconhecida como um dos maiores hotspots de restauração do mundo. Para que essa restauração aconteça, gere benefícios e faça seu papel na mitigação e adaptação das mudanças climáticas, é indispensável contar com a participação da população local. Isso inclui os pequenos negócios e empreendedores, que a partir de diferentes modelos econômicos podem gerar grandes resultados em termos de restauração e economia florestal sustentável. Se iniciativas como as descritas acima se ampliarem e crescerem, elas desempenharão um papel importante não só para os compromissos nacionais e internacionais de restauração, mas para desenvolver toda uma cadeia de bioeconomia e restauração no país.