O financiamento climático movimenta em média R$ 23,5 bilhões ao ano no Brasil. Sendo um país florestal e com uma grande quantidade de áreas degradadas, era de se esperar que uma grande parte desses recursos financiasse a restauração de paisagens e florestas. Mas não é o que acontece. Ainda há gargalos para que o recurso chegue na ponta, e apenas 25% desse valor é destinado para florestas, incluindo ações de combate ao desmatamento e restauração florestal. 

Como mobilizar recursos financeiros para garantir a recuperação da vegetação nativa em biomas brasileiros, como Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga? 

Um evento no final de janeiro em São Paulo trouxe ao debate da restauração empresários, CEOs e executivos de mais de cem grandes empresas brasileiras, instituições financeiras, representantes do poder público e sociedade civil para tentar responder essa pergunta.  

Organizado por WRI Brasil, Salesforce e Natura, o evento Fomentando o financiamento e a colaboração para a restauração da natureza brasileira reuniu os empresários e governos na "mesma página" sobre a restauração de paisagens e florestas como um setor econômico de grande importância. Os empresários conheceram e compartilharam informações sobre os mecanismos financeiros e iniciativas que promovem a restauração já existentes no Brasil, e acompanharam uma fala da ministra do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, Marina Silva, sobre as oportunidades de restauração no Brasil. 

Também fez parte do evento uma chamada para ação, considerando a janela de oportunidade que o país está experimentando: há o desafio de se estabelecerem metas florestais mais arrojadas, mas também vários esforços pré-competitivos liderados pelo setor privado, além do interesse internacional no Brasil pela sua abundante e exuberante quantidade de recursos naturais. 

Oportunidades não faltam 

Para a ministra Marina Silva, as oportunidades para o Brasil no mercado de restauração florestal são enormes. Marina usou a metáfora de uma esponja florestal. Segundo ela, as florestas possuem capacidade de absorver uma grande quantidade de gases de efeito estufa da atmosfera e "limpar o mundo" – estudos demonstram que a conservação e restauração de florestas podem contribuir com até um terço da absorção de CO2 do planeta.  

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva

A ministra também falou do comprometimento do governo brasileiro em criar as condições necessárias para que empresas possam investir em restauração. Segundo ela, é um compromisso do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima levar segurança – jurídica, fundiária e de reputação – aos setores interessados em financiar a recuperação da vegetação nativa. De acordo com o Ministério, o valor estimado para a restaurar os 12 milhões de hectares de florestas que o Brasil se comprometeu em Acordo de Paris seria de R$ 200 bilhões. 

O evento também contou com a presença do Serviço Florestal Brasileiro e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, ressaltou que a restauração é um setor crucial para a economia brasileira, e contou como o banco busca criar novos mecanismos para acelerar a restauração. Entre eles, um modelo apresentado na COP28 permite incluir atores do setor privado em editais de restauração do Fundo Amazônia, possibilitando dobrar recursos direcionados às florestas, que hoje estão na ordem de R$ 450 milhões.  

Além do governo federal, diversos estados brasileiros também estão engajados na restauração. No final de 2023, o Pará lançou seu Plano Estadual de Recuperação da Vegetação Nativa (PRVN-PA), em que estabelece como meta restaurar 5,6 milhões de hectares, o que equivale a quase metade da meta do Brasil. Estudo realizado pelo WRI Brasil mostrou que a implementação bem-sucedida do plano geraria um incremento de riqueza entre R$ 36,6 bilhões e R$ 42,2 bilhões, com geração de renda para a população por meio de salários e remunerações entre R$ 8 bilhões e R$ 9,4 bilhões e uma arrecadação extra de impostos incrementada entre R$ 1,6 bilhão e R$ 1,9 bilhão. 

Um dos painéis técnicos do evento tratou inclusive das condições que precisam estar estabelecidas para esse setor econômico da restauração se estruturar. Exemplo foi dado por Katia Penha, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, que tem liderado a implementação de um mecanismo financeiro e enfrenta desafios na mobilização de novos recursos para apoiar a restauração dos biomas e estimular a autonomia econômica dos territórios quilombolas. Construir e aprimorar capacidades das pessoas e organizações, desenvolver lideranças e garantir que haja trocas e colaboração são fatores essenciais nesse processo de escalar a restauração. 

O engajamento do setor privado 

Os últimos anos viram um crescente movimento de colaboração do setor privado  para criar um ambiente favorável para o desenvolvimento de setores da economia e novas áreas de negócios. São os chamados esforços pré-competitivos, que mostram que as empresas estão dando passos para atuar como um organismo coletivo focado na evolução das sociedades e dos mercados em relação aos temas que são valiosos para o equilíbrio planetário.

Um bom exemplo de como a restauração tem sensibilizado e aumentado a adesão e o compromisso das empresas com o tema foi o anúncio feito pela Salesforce ao final do evento. A empresa já investiu mais de US$ 3 milhões em capital filantrópico no Brasil voltado para a conservação e restauração da Mata Atlântica, e agora se comprometeu a dobrar esse valor, chegando a US$ 6 milhões até 2025. 

Instituições financeiras como o Itaú e a JGP Asset também trouxeram para a conversa formas de investir e financiar a restauração, e a importância de se criar modelos que saiam do curto prazo – por exemplo, investimento de capital paciente, que atenda as características de atividades como reflorestamento, comercialização de produtos florestais não madeireiros e produção de alimentos por meio de agroflorestas. E empresas de restauração, silvicultura de nativas e agroflorestas como Mombak, Re.green, Biomas, Symbiosis e Belterra Agroflorestas, entre outras, mostram que modelos de negócios dinâmicos e baseados em tecnologia e inovação podem ser utilizados com sucesso na restauração.  

Por que empresas devem investir em restauração  

O evento em São Paulo mostrou que há grandes oportunidades para o setor privado. Esse engajamento acontece porque a restauração florestal pode trazer benefícios significativos para as empresas. O retorno econômico é uma, mas não a única razão, para que empresas contribuam com a recuperação das florestas brasileiras. A restauração também contribui para que empresas cumpram seus compromissos corporativos de ESG, melhora sua reputação junto aos consumidores, sua relação com o entorno e comunidades, permite compensar emissões de gases de efeito estufa e encarar o desafio de frear o aquecimento do planeta em 1,5ºC.

A novidade que o setor privado traz agora é que, ao integrar suas estratégias de ESG, adotando uma visão mais sistêmica para suas estratégias, é justamente a restauração que surge como solução presente em todas as possibilidades de solução. Seja na conexão de fragmentos de áreas degradadas para recompor corredores ecológicos, seja na manutenção de áreas que sofrem intervenção pela atividade extrativista, seja pela colaboração com Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou com as metas brasileiras no enfrentamento a mudanças climáticas, ou ainda na geração de renda para comunidades afetadas por grandes operações. A restauração também se destaca ao se analisar o potencial econômico – se compararmos o custo evitado com ações de reparação a danos ou que visam mitigar riscos. 

As empresas presentes no evento Fomentando o financiamento e a colaboração para a restauração da natureza brasileira são apenas um pequeno recorte do atual envolvimento do setor privado na restauração. Trabalhos do WRI Brasil mostram que há inúmeras iniciativas bem-sucedidas de restauração. Confira alguns desses exemplos em publicações do WRI Brasil, como num levantamento de 40 casos de reflorestamento, SAFs e ILPF junto com a Coalizão Brasil Clima,
Florestas e Agricultura
, na iniciativa Aceleradora de Negócios Florestais, no estudo de caso de regeneração natural assistida e no Observatório da Restauração e Reflorestamento