Na preparação para a COP28, algumas pessoas esperavam que a natureza e as florestas estivessem no centro dos debates, como aconteceu nas negociações dos últimos dois anos. Na COP26, em 2021, um dos principais resultados foi a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas, um compromisso ambicioso de mais de 100 países para interromper e reverter o desmatamento e a degradação de paisagens até 2030. E na 15ª Conferência de Biodiversidade da ONU, realizada em 2022, o grande resultado foi o compromisso 30x30, que tem o objetivo de proteger pelo menos 30% das áreas do planeta, na terra e no mar, até 2030.

Com a atenção da mídia em Dubai direcionada às discussões sobre combustíveis fósseis e alimentos, pode parecer que as florestas foram negligenciadas. Fora dos holofotes, porém, o cenário foi outro.

Quem esteve em Dubai testemunhou várias medidas positivas importantes no que diz respeito às florestas, desde o fortalecimento de compromissos para acabar com o desmatamento até novas ofertas de apoio financeiro para os países em desenvolvimento garantirem sua proteção. A seguir, reunimos alguns dos principais resultados e assuntos que merecem ser observados em 2024.

Países tropicais lançam uma série de novas iniciativas de proteção florestal

Relatórios climáticos recentes deixam claro que, a menos que o desmatamento acabe ainda nesta década, as chances de manter o aumento da temperatura global em 1,5°C, e com isso evitar os piores impactos das mudanças climáticas, vão de “mínimas” a “inexistentes”. No entanto, apesar das promessas para mudar esse cenário, o desmatamento segue em um ritmo perturbador – especialmente nos trópicos. Em 2022, o mundo perdeu 4,1 milhões de hectares de florestas tropicais primárias, o equivalente a 11 campos de futebol por minuto. Isso torna ainda mais importantes as medidas tomadas na COP28 pelos países que abrigam essas florestas.

República Democrática do Congo, Gana, República do Congo e Papua Nova Guiné anunciaram uma série de iniciativas de proteção florestal, somando US$ 242 milhões entre financiamento público, privado e de parcerias da sociedade civil como parte da Parceria de Líderes de Florestas e Clima (FCLP, na sigla em inglês). A Colômbia lançou seu Portfólio de Ação Climática e Transição Socioecológica, visando incorporar a proteção de ecossistemas essenciais no plano nacional de desenvolvimento do país. Costa Rica e Gana anunciaram um acordo para vender créditos jurisdicionais de carbono REDD+ (um mecanismo por meio do qual empresas e países desenvolvidos podem financiar a conservação florestal em países em desenvolvimento) para a Coalizão LEAF (Reduzindo Emissões por meio da Aceleração do Financiamento Florestal), e pelo menos dez compradores corporativos concordaram em adquirir os créditos. E o Governo de Honduras divulgou uma iniciativa para recuperar e conservar a Moskitia, a maior floresta do país, uma das “cinco grandes florestas” da Mesoamérica e a segunda maior floresta tropical da América Central.

Na Yangambi Engagement Landscape, na República Democrática do Congo, as florestas são intercaladas com a aquicultura e a agricultura.
Na Yangambi Engagement Landscape, na República Democrática do Congo, as florestas são intercaladas com a aquicultura e a agricultura. A área, que permite a agricultura, a pesca, a caça, a exploração madeireira e outros meios de subsistência baseados na terra, é um exemplo de como o manejo sustentável das florestas pode ajudar a impulsionar o desenvolvimento económico local (foto: CIFOR/Flickr)

Lula renova a atenção ao Brasil e à Amazônia

Em sua primeira COP desde que reassumiu a presidência do Brasil, Lula ajudou a trazer atenção renovada às florestas tropicais e à Amazônia, reforçando o compromisso do país de acabar com o desmatamento até 2030 e vincular a agenda climática à luta contra a desigualdade.

O que mais aconteceu na COP28?

Na COP28, pela primeira vez as negociações chegaram a um consenso sobre abandonar os combustíveis fósseis, entre outras decisões importantes sobre energias renováveis, perdas e danos e adaptação. Veja os principais resultados da COP28 aqui.

O Brasil também propôs a criação de um fundo global, o Floresta Tropical para Sempre, para financiar a conservação florestal. A proposta exige US$ 250 bilhões anuais em pagamentos simples aos países com base na área de florestas protegidas (em vez de alocar o financiamento de acordo com as reduções de emissões calculadas). Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) anunciou o Arco da Restauração, uma iniciativa de R$ 1 bilhão para restaurar áreas degradadas na Amazônia até 2030. O Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, lançou o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, com o objetivo de direcionar a expansão agrícola para 40 milhões de hectares de pastagens degradadas de baixa produtividade em vez de áreas florestais. E o governador do Pará, Helder Barbalho, lançou uma estratégia para restaurar 5,6 milhões de hectares de áreas degradadas do estado e melhorar os meios de subsistência locais.

Membros de uma comunidade próxima de Santarém, no Pará, descarregam mudas em uma iniciativa de reflorestamento na Amazônia.
Membros de uma comunidade próxima de Santarém, no Pará, descarregam mudas em uma iniciativa de reflorestamento na Amazônia. O Brasil abriga a maior parte da floresta, o que significa que as políticas e ações adotadas no país são essenciais para a proteção e preservação da floresta (foto: Edward Parker/Alamy Stock Photo)

O Brasil, que abriga a maior floresta tropical do mundo, vai sediar o G20 em 2024 e a COP30 em 2025, colocando a Amazônia e todas as demais florestas tropicais no centro das discussões climáticas e ambientais. Na preparação para esses eventos, um ponto-chave para observar é se e como o Brasil vai avançar e adaptar seu conceito do fundo global de florestas para atrair os investimentos públicos e privados necessários.

A trajetória do país para acabar com o desmatamento e descarbonizar sua economia também têm contradições. Entre elas as decisões do Brasil de se juntar à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP+) e de leiloar mais de 600 áreas de exploração de petróleo – incluindo 21 na bacia do Rio Amazonas – apenas um dia depois do encerramento da COP28, além de retrocessos recentes em relação à demarcação de territórios indígenas.

Promessas de mais financiamento para a ação florestal, junto a novas medidas de responsabilização

Os países não apenas estabeleceram novos compromissos para a ação florestal como aumentaram o financiamento para alcançá-los. A histórica Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra, lançada na COP26, foi acompanhada pelo Compromisso Global de Financiamento Florestal – um compromisso de cinco anos e US$ 12 bilhões de para apoiar as ações dos países. O último relatório, de 2022, mostrou que, nos primeiros dois anos do compromisso, US$ 5,7 bilhões (ou 47% do financiamento total prometido) já foram direcionados para programas florestais nos países em desenvolvimento.

Na Cúpula Mundial de Ação Climática, realizada no dia 2 de dezembro de 2023 durante a COP28, os Emirados Árabes Unidos anunciaram uma contribuição de US$ 100 milhões em financiamento para projetos ambientais e climáticos, com um investimento inicial de US$ 30 milhões no Plano de Resiliência do governo de Gana para proteger e restaurar áreas ambientais. Já a Noruega se comprometeu com outros US$ 100 milhões em pagamentos para a Indonésia, com base nas reduções do desmatamento no país. O Parlamento Norueguês também aumentou para NOK 4 bilhões (US$ 375 milhões) o apoio financeiro à Iniciativa Internacional para o Clima e as Florestas da Noruega (NICFI, na sigla em inglês), criada com o objetivo de proteger florestas tropicais.

Moradores se deslocam de barco em Letícia, na Colômbia, cidade às margens do Rio Amazonas
Moradores se deslocam de barco em Letícia, na Colômbia, cidade às margens do Rio Amazonas. A Iniciativa Internacional para o Clima e as Florestas da Noruega, em parceria com o Reino Unido e a Alemanha, apoia os esforços do governo colombiano para reduzir o desmatamento em suas áreas de floresta tropical (foto: Norwegian Ministry of Climate and Environment/Flickr)

Para acompanhar de forma mais transparente o andamento desses compromissos, a Avaliação da Declaração Florestal e o Systems Change Lab (do WRI) lançaram o Painel da Declaração dos Líderes de Glasgow. A ferramenta vai monitorar o progresso coletivo dos signatários dos seis artigos da Declaração. Além disso, a NICFI e o Fundo Bezos Earth anunciaram uma nova parceria para alocar mais de US$ 200 milhões ao longo de quatro anos para fornecer gratuitamente dados de satélite de alta resolução sobre as florestas tropicais do mundo.

O que vem pela frente para as florestas na agenda global?

Sem um esforço ambicioso e coordenado para proteger e restaurar as florestas do mundo, não existem caminhos viáveis para conter o aumento das temperaturas e proteger a biodiversidade e a natureza. E, apesar do aumento dos compromissos e promessas nos últimos anos, as florestas continuam consideravelmente subvalorizadas nas políticas e nos mercados.

Os avanços obtidos na COP28, incluindo o maior foco dado às florestas tropicais, foram um passo promissor na direção certa. No entanto, o impacto desses compromissos e iniciativas vai depender de como serão tratados daqui para frente. Depois de Dubai, algumas perguntas ainda precisam ser respondidas, tais como:

  • O mundo terá uma liderança mais forte e de longo prazo por parte dos países que sediam a COP? Na COP28, os Emirados Árabes Unidos (sede em 2023) e a China (sede da Conferência de Biodiversidade da ONU em 2022) emitiram uma Declaração Conjunta sobre o Clima, a Natureza e as Pessoas, assinada por 16 parcerias e iniciativas globais. O documento reforça a urgência de abordar “as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e a degradação de terras juntos, de uma forma coerente, sinérgica e abrangente”. Pensando no futuro, os Emirados Árabes Unidos vão considerar esse momento um catalisador para assumir um novo papel em questões globais de sustentabilidade? A China adotará políticas para proporcionar um futuro positivo para a natureza, depois de assinar a declaração conjunta e anunciar, na COP 28, que vai se juntar à Coalizão de Alta Ambição para a Natureza e as Pessoas, um grupo de 118 nações comprometidas com o Compromisso 30x30? E qual será a contribuição para as metas ambientais e financeiras do Quadro Global de Biodiversidade da ONU, incluindo os objetivos de eliminar ou rever a destinação de US$ 500 milhões em subsídios prejudiciais ao meio ambiente e mobilizar pelo menos US$ 200 bilhões por ano para a natureza até 2030?
  • Os povos indígenas e comunidades locais serão reconhecidos e incluídos como parceiros nas atividades florestais? Povos indígenas e comunidades locais desempenharam um papel importante em muitas negociações e eventos em Dubai. Por exemplo, a Noruega e o Peru – em parceria com Reino Unido, Alemanha, República Democrática do Congo, Fiji, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Costa Rica e Holanda, além da Aliança Global de Comunidades Territoriais – lançaram uma plataforma para apoiar a participação de povos indígenas e comunidades locais em discussões de alto nível e enfatizar a importância de assegurar direitos de posse florestal. Seguindo em frente, é preciso garantir que o financiamento flua para as florestas tropicais intactas (com elevada cobertura florestal e baixas taxas de desmatamento) e para os povos indígenas, que muitas vezes atuam como seus guardiões. É fundamental que esses grupos sejam incluídos de forma plena e efetiva no planejamento de programas de proteção e restauração florestal e que possam usufruir de forma equitativa de seus benefícios.
  • O setor privado vai ampliar suas contribuições? Ao longo dos próximos meses e anos, veremos esforços mais acentuados e coordenados por parte do setor privado para contribuir com a proteção das florestas tropicais ainda existentes? Diversas empresas fizeram avanços significativos com a redução dos impactos que exercem sobre as florestas, por meio, por exemplo, de commodities livres de desmatamento e de avaliações de risco da cadeia de valor. No entanto, ainda são necessários mais esforços e recursos por parte do setor privado para chegar ao financiamento necessário para manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5°C e cumprir as metas do Compromisso 30x30 da ONU.

As florestas do mundo permanecem seriamente ameaçadas, e seu futuro será determinado menos por compromissos e promessas de alto nível do que pela valorização e pagamento adequados pelos benefícios que fornecem – principalmente as florestas tropicais. Nos próximos anos, é necessário não apenas colocar as florestas novamente sob os holofotes como promover uma mudança de paradigma na ação, para que as florestas sejam mais valorizadas em pé do que derrubadas.


Este artigo foi publicado originalmente no Insights.