O Brasil, uma potência agropecuária, é também um país de enorme vocação florestal. Essa aptidão é explorada atualmente, mas pode evoluir muito a partir do manejo consciente, que valoriza a biodiversidade e o potencial econômico dos produtos madeireiros e não madeireiros, criando um capital natural para combater o desafio climático, com ganhos sociais. A restauração florestal com espécies nativas é um caminho com todas essas características.

Segundo a Embrapa, o Brasil tem mais de 100 milhões de hectares de pastagens degradadas, uma área do tamanho dos estados de Minas Gerais e Bahia somados. O plantio de florestas nativas pode gerar emprego e renda no meio rural, recuperar o solo e regular a água (com ganhos em qualidade e quantidade), além de fornecer produtos como madeira, frutos, óleos, essências, castanhas e outros, diminuindo a pressão do desmatamento e da extração das florestas nativas destinadas à conservação e preservação. Sem contar que a atividade é determinante para a consolidação de políticas públicas do Brasil, como o Código Florestal (lei federal 12.651 de 2012), a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Proveg) e os compromissos de combate às mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris.

Uma pesquisa publicada pelo WRI Brasil em 2017 demonstrou isso. A análise do projeto VERENA em 12 propriedades rurais localizadas na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica constatou que o reflorestamento com espécies arbóreas nativas e sistemas agroflorestais é uma atividade competitiva do ponto de vista financeiro se comparada à produção agrícola e à silvicultura com pinus e eucalipto praticada no Brasil. O tempo médio para o retorno financeiro foi de 16 anos frente a 12 anos no caso da agricultura e da silvicultura. O tempo é mais longo devido ao ciclo da colheita de espécies arbóreas nativas. Por outro lado, o estudo também apontou que o retorno foi maior (16%) para o reflorestamento com espécies nativas e sistemas agroflorestais do que a média da agricultura e da silvicultura com pinus e eucalipto (13%).

Para entender melhor de quais tipos de restauração florestal estamos falando, é importante conhecer o conceito de contínuo florestal. Olhando sob a perspectiva da paisagem, não é possível estabelecer linhas divisórias e diferenciar tipos de uma mesma floresta. Mas há um gradiente, em que diferentes tipologias se encaixam conforme o seu manejo. Em uma ponta, estão as florestas nativas primárias, permanentemente preservadas, como as reservas naturais públicas, os parques ecológicos, educativos e turísticos. Na outra, estão agricultura de baixo carbono, sistemas agroflorestais e plantações de árvores exóticas.

<p>Tipologias do contínuo florestal estudadas pelo VERENA</p>

Tipologias do contínuo florestal estudadas pelo VERENA


Dentro desse gradiente, o projeto VERENA selecionou quatro tipologias com alto potencial para uma nova economia florestal no Brasil. Veja quais são elas:

Plantio econômico biodiverso

<p>Plantio econômico biodiverso em Porto Seguro (BA) (foto: Aurelio Padovesi/WRI Brasil)</p>

Plantio econômico biodiverso em Porto Seguro (BA) (foto: Aurelio Padovesi/WRI Brasil)


Refere-se ao plantio de diferentes espécies nativas, ordenadas segundo um desenho espacial definido de acordo com as condições ecológicas de cada espécie. O plantio geralmente é pensado de maneira intercalada, com cada espécie desempenhando uma função. O manejo do desbaste e a comercialização de produtos não madeireiros (como frutas e sementes) possibilitam a geração de receita no curto prazo. É a tipologia com maior potencial para uso em Reserva Legal.

No Brasil, esse é o modelo utilizado pela Symbiosis. A empresa transforma áreas degradadas em produção florestal e conta atualmente com mais de 1,5 mil hectares em Porto Seguro, na Bahia, onde são plantadas cerca de 30 espécies nativas da Mata Atlântica com alto valor agregado. A Symbiosis também investe em outras etapas do processo, como melhoramento genético, sementes, mudas, formação de árvores matrizes e manejo.

Plantio econômico monocultura

<p>Área de plantio econômico monocultura com paricá em Paragominas (PA) (foto: Cláudio Pontes/WRI Brasil)</p>

Área de plantio econômico monocultura com paricá em Paragominas (PA) (foto: Cláudio Pontes/WRI Brasil)


Como o próprio nome indica, trata-se do cultivo de uma única espécie nativa, plantada geralmente em linhas e com manejo semelhante ao do eucalipto. Os plantios de Paricá, no Norte do país, seguem esse modelo.

Um dos locais onde esse modelo está em operação é em Paragominas, no Pará. A empresa Amata investe no Paricá para comercializar madeira certificada, sólida e laminada para o processo de confecção de chapas e compensados, com garantia de origem, através do manejo de baixo impacto e do plantio de florestas. São quase três mil hectares de plantio.

Plantio misto (nativas e exóticas)

Área de plantio econômico misto (eucalipto e nativas) em Lindóia/SP (foto: Alexandre Uezo/ IPÊ Instituto de Pesquisas Ecológicas)


Corresponde a um plantio com espécies nativas e exóticas, como o eucalipto plantado com outras espécies nativas, por exemplo. Esse tipo de arranjo favorece a obtenção de receita em curto prazo proveniente do eucalipto (entre 4 e 12 anos) e receitas futuras mais a longo prazo provenientes das espécies nativas. Um exemplo são os plantios monitorados pelo Instituto IPÊ em Lindóia (SP), com eucalipto urograndis, ipê branco, angico-da-mata e ipê-rosa.

Sistemas agroflorestais (SAFs)

<p>Restauração com base em sistemas agroflorestais e espécies frutíferas em Pintadas (BA) (foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil)</p>

Restauração com base em sistemas agroflorestais e espécies frutíferas em Pintadas (BA) (foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil)


Nos sistemas agroflorestais (SAFs), espécies perenes como árvores, arbustos, palmeiras e bambus são utilizadas em uma mesma área com culturas agrícolas e/ou animais. Há diversos tipos de SAFs, desde sistemas simplificados, com poucas espécies e baixa intensidade de manejo, até sistemas altamente complexos, com alta biodiversidade e alta intensidade de manejo. Uma grande vantagem dessa tipologia é que se aplica bem em propriedades menores, por isso é de grande valia para pequenos agricultores, que podem obter receitas no curto prazo de diversos produtos em tempos diferentes de colheita (frutos, sementes, etc), enquanto crescem as árvores que irão gerar receita em ciclos de cultura mais longos (madeira).

Recentemente, contamos a história da propriedade da família de Marliane das Chagas Soares, que fica em Juruti, no interior da Amazônia. Eles estão testando o sistema agroflorestal com diferentes espécies para complementar a cultura da mandioca, normalmente produzida por meio da chamada coivara, uma técnica tradicional de plantio que utiliza o fogo para limpar áreas de floresta. Na Caatinga, o conhecimento de agricultores do interior da Bahia contribuiu para apoiar o desenvolvimento de modelos agroecológicos com espécies nativas.