Podem parecer desafios diferentes, mas as soluções para a poluição do ar e as mudanças climáticas estão conectadas. Como a origem de ambos os problemas tem similaridades, o mesmo acontece com as soluções: agir para manter a qualidade do ar em níveis seguros para a saúde humana significa também cuidar do clima no planeta.

Essa relação fica mais evidente quando se descobre que poluentes produzidos principalmente por motores a diesel rodam o globo e vão parar em lugares remotos como as regiões polares, tornando o gelo e a neve mais escuros, refletindo menos luz para o espaço e contribuindo com o aquecimento global e o próprio derretimento das geleiras.

Um dos fatos mais interessantes na relação entre os dois temas é que reduzir a presença de alguns poluentes atmosféricos poderia ter efeitos de curto prazo no clima, um trunfo relevante diante do cenário em que as metas atuais estabelecidas pelos países no Acordo de Paris não serão suficientes para manter o aquecimento global em níveis seguros.

Causas da poluição do ar e das mudanças climáticas se sobrepõem

Os poluentes climáticos de vida curta (PCVCs) como o carbono negro (um dos principais componentes do material particulado 2.5, gerado em grande parte por motores a diesel), o ozônio troposférico (formado por uma mistura de componentes tipicamente emitidos nas cidades e áreas rurais próximas como metano – gerado pelo esgoto, lixo e agricultura – e óxido de nitrogênio que sai do escapamento dos veículos), os hidrofluorcarbonetos (HFCs) e o metano contribuem tanto para o aquecimento global quanto para a poluição do ar. Segundo a Coalizão Clima e Ar Limpo, os PCVCs são responsáveis por entre 30% e 40% do aquecimento do planeta até o momento.

A grande diferença desses poluentes para o dióxido de carbono (CO2) é justamente o tempo que permanecem na atmosfera. O carbono negro e o ozônio troposférico permanecem na atmosfera por alguns dias ou poucas semanas. O metano fica por pouco mais de uma década. E são mais de 100 anos para eliminar o CO2. Por isso cientistas orientam que é preciso reduzir os gases de efeito estufa imediatamente para colher os benefícios no longo prazo. Mas agir agora também dá resultado agora.

Pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em parceria com a Organização Meteorológica Mundial estimou que reduzir poluentes climáticos de vida curta de fontes importantes como congestionamentos, fornos a lenha, resíduos, agricultura e indústria até 2030 poderia reduzir o aquecimento global projetado para 2050 em até 0,5°C. A grande vantagem de tais medidas é que os benefícios imediatos favorecem justamente as populações que investirem nelas – reduzir as emissões de ozônio e carbono negro tem efeito na qualidade do ar local em poucas semanas.

Os malefícios à saúde causados pelos poluentes climáticos de vida curta ficaram explícitos nos resultados de uma pesquisa recente realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela Universidade de São Paulo (USP) e pela Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). O levantamento mostra os efeitos que as queimadas na região da Amazônia Legal provocaram em crianças. Entre maio e junho de 2019, as internações de crianças com menos de 10 anos que apresentavam problemas respiratórios chegaram a 5.091, o dobro em relação à média calculada para o mesmo período na série histórica dos últimos dez anos. Esse aumento, puxado por aproximadamente 100 municípios próximos a áreas mais afetadas por incêndios, representa um custo excedente de aproximadamente R$ 1,5 milhão ao Sistema Único de Saúde (SUS). Foram 2.502 internações acima do esperado.

Soluções sustentáveis precisam olhar o todo

A relação intricada entre a qualidade do ar que respiramos e as mudanças climáticas está bem estabelecida. Mas e as soluções? Existem muitos cobenefícios neste nexo entre os dois desafios globais, mas não há apenas uma medida capaz de solucionar ambos problemas complexos. Algumas podem até ser benéficas para lidar com um deles, mas prejudicarem o outro, como os biocombustíveis, que geram menos gases de efeito estufa mas não deixam de poluir o ar.

Como primeiro passo, é preciso conhecer muito melhor o ar que nos rodeia – e o Brasil ainda tem um caminho longo pela frente. Entender quais são as fontes e os contaminantes é passo primordial. Avaliações do impacto de um ar poluído na saúde também tem relevância para comunicar à população e estimular a ação pública por soluções.

Os padrões de qualidade do ar do Brasil, por exemplo, ainda estão longe dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, há uma questão de diferentes escalas. Tanto governos locais, quanto regionais e nacionais precisam de ações coordenadas. A iniciativa BreatheLife2030 é um bom exemplo disso, com mais de 70 cidades e 40 governos nacionais comprometidos a alcançar os padrões da OMS até 2030.

O ar é um bem do qual dependemos para viver. Diferente da água, por exemplo, não podemos ver nem escolher na hora de consumir. Explorar melhor a relação causal com a mudança do clima pode gerar soluções inovadoras e poderosas para lidar com ambos os problemas, salvando vidas pelo caminho.