A pandemia da Covid-19 provocará, além dos sérios problemas de saúde, uma crise econômica e social que pode ser cruel com a população. No mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a crise pode deixar 25 milhões de pessoas desempregadas. No Brasil, os primeiros dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que a Covid-19 provocou o fechamento de 1,1 milhão de postos de trabalho formais.

Esse cenário exigirá que nossos governantes procurem formas inovadoras de lidar com a crise e gerar milhares de empregos no curto e médio prazo. E uma dessas formas pode ser pela mobilização e contratação de pessoas para recuperar e restaurar a produtividade de milhões de hectares de áreas e florestas degradadas que existem no Brasil, tornando-as economicamente produtivas e recuperando suas funções ecológicas.

Recuperar e restaurar áreas e florestas degradadas por meio de diversas técnicas bem conhecidas é uma forma viável de gerar empregos e renda no campo após a pandemia. É uma atividade que não apenas gera empregos diretos, mas também indiretos através da cadeia da restauração e reflorestamento. Para cada metro quadrado recuperado, é necessário contratar pessoas para coletar sementes, produzir mudas, fazer o plantio, manutenção e monitoramento. Além disso, são necessários especialistas para dar assistência técnica aos produtores e proprietários e muitas outras pessoas que direta ou indiretamente participam dos diferentes elos da cadeia produtiva.

Outro ponto positivo é que os empregos gerados são de curto, médio e longo prazo, trazendo segurança para os trabalhadores e prosperidade para comunidades rurais.

Iniciativas que geram empregos

O Brasil já tem uma série de iniciativas com o potencial de gerar empregos na restauração. Uma delas está no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como um dos objetivos contribuir para o cumprimento do Código Florestal (Lei 12.651/2012) e o compromisso brasileiro de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de áreas e florestas degradadas até 2030 como parte do Acordo de Paris. O Planaveg estima que um esforço de recuperação em larga escala da vegetação nativa brasileira pode gerar entre 112 mil e 191 mil empregos rurais diretos por ano. A título de comparação, o setor de serviços foi o que mais gerou vagas de trabalho em 2019, com 382.525, seguido pelo comércio, que abriu 145.475 postos no ano.

Esses números dizem respeito apenas aos empregos diretos. Apesar de não estimar empregos indiretos, o plano ressalta que a restauração pode criar um efeito positivo em toda a cadeia de fornecimento da restauração, colocando o plantio de florestas no mesmo patamar das mais importantes culturas agrícolas do país.

Outras iniciativas inovadoras podem gerar empregos com a restauração em curso, como as metas de restauração do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e o programa Conservador da Mantiqueira , inspirado no premiado projeto Conservador das Águas, do município de Extrema (MG). São exemplos que tornam o Brasil um dos líderes no mundo na conversão de áreas degradadas em produtivas e resilientes em prol da sociedade.

Outros países já usaram a restauração para gerar empregos

A ideia de recuperar e restaurar áreas e florestas degradadas para gerar empregos e tirar a economia da recessão está longe de ser novidade. Ela já foi colocada em prática em vários países e momentos da história.

Um exemplo disso ocorreu nos Estados Unidos, na década de 1930. Como resposta à quebra da Bolsa de Nova York em 1929 e o período da Grande Recessão, os EUA colocaram em prática uma política chamada New Deal, na qual o estado estimulava obras públicas para desenvolver o país e gerar empregos. Um dos programas mais populares dessa política se chamava Civilian Conservation Corps (ou Brigada Civil de Conservação).

<p>grupo de Civilian Conservation Corps em uma área de reflorestamento</p>

Em foto da década de 1930, trabalhadores do programa Civilian Conservation Corps restauram área do Gifford Pinchot National Forest, nos Estados Unidos. Foto: US National Park Services

O Civilian Conservation Corps contratava jovens desempregados para fornecer trabalho manual relacionado com a conversação dos recursos naturais em áreas controladas pelo poder público. Eles trabalhavam no plantio de florestas e vegetação nativa, controle de incêndios florestais, controle de erosão e enchentes e construção de estradas. Entre 1933 e 1942, mais de 3 milhões de jovens passaram pelo programa com um pico de 500 mil empregos em um ano. Parte dos salários dos jovens era obrigatoriamente enviada para as famílias, fazendo com o que o programa ajudasse no sustento de milhões de pessoas empobrecidas pela crise econômica.

Outra iniciativa mais recente e de sucesso foi no Quênia, através de um programa que melhorou a renda das famílias a partir da conservação, além de promover os direitos das mulheres. Em 1977, a professora Wangari Maathai criou o programa Greenbelt Movement (Movimento Cinturão Verde). Liderado por mulheres, o programa promoveu a produção de sementes e mudas e o plantio de cinturões de árvores em áreas rurais, com o objetivo de melhorar a qualidade da água e do solo, melhorando a segurança alimentar das comunidades. Estima-se que o programa envolveu 50 mil famílias, plantou mais de 30 milhões de árvores e gerou renda para 80 mil pessoas no Quênia. Esse trabalho foi reconhecido em 2004, quando Wangari Maathai recebeu o prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho.

<p>grupo trabalhando com mudas no Quênia</p>

Mulheres do Greenbelt Movement, no Quênia, trabalham na produção de mudas para a restauração. Foto: greenbeltmovement.org

Covid-19 e a restauração

A crise de saúde provocada pela pandemia da Covid-19 produzirá uma outra crise, desta vez econômica e social, sem precedentes. A expectativa do Banco Mundial é que a economia do Brasil caia mais de 5%. Isso levou muitos governos e países a proporem pacotes de estímulo econômico, investindo em setores da economia para recuperar emprego e geração de renda. Exemplos desses pacotes estão sendo estudados ou colocados em prática em países da União Europeia, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul, entre muitos outros.

Uma pesquisa do WRI mostra que esses pacotes de estímulo precisam ser bem estruturados. Se eles investirem em setores poluentes ou que degradam, podem tornar ainda mais difícil para as nossas sociedades para lidar com efeitos das mudanças climáticas ou com doenças respiratórias causadas pela poluição do ar. Podem, ainda, permitir a emergência de novas epidemias por meio da degradação de florestas e outros ecossistemas naturais.

O Brasil está bem posicionado para permitir que seu pacote de estímulo pós-Covid-19 nos coloque numa trajetória de crescimento sustentável, justo e igualitário. E a restauração florestal e reflorestamento devem fazer parte desse pacote, ao lado de investimentos importantes em infraestrutura sustentável, agricultura de baixo carbono e energias renováveis, por exemplo.

O Brasil já tem estabelecidos planos e políticas para a recuperação da vegetação nativa. A aplicação de regras já existentes, como o Código Florestal, pode estimular e acelerar a conservação e restauração. Os exemplos do Pacto, do Planaveg e do Conservador da Mantiqueira se mostram cruciais nesse momento, permitindo que o Brasil se torne um país que gera riqueza e emprego recuperando áreas e florestas degradadas.

Além de contribuir no restabelecimento da economia, a recuperação e a restauração de áreas e florestas degradadas geram outros benefícios diretos para a sociedade, como segurança hídrica e alimentar, conservação da biodiversidade, aumento da resiliência dos sistemas agrícolas às mudanças climáticas , redução de riscos e impactos dos desastres naturais. O Brasil pode vencer a crise econômica provocada pela Covid-19 apostando nas suas riquezas naturais, gerando um país melhor e mais resiliente a crises que possam surgir no futuro.