Mais tecnologia, conforto, integração e flexibilidade no sistema de transporte por ônibus – cobrando menos dos clientes. São José dos Campos tem um plano ambicioso. Na contramão do desânimo que aflige o setor, a cidade começa a pôr em prática sua visão do futuro do transporte coletivo em duas licitações apresentadas no webinar Como (re)construir um transporte coletivo melhor?, realizado no início do mês, pelo WRI Brasil.

Paulo Guimarães, secretário de mobilidade urbana de São José dos Campos, e Ciro Biderman, professor da pós-graduação em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apresentaram a reformulação do modelo de transporte coletivo após a mesa redonda em que quatro cidades compartilharam desafios e soluções para resgatar a sustentabilidade do sistema ônibus do baque da pandemia da Covid-19.

Em fase final de aprovação, o novo edital promete um teto tarifário mais baixo do que o atual ao mesmo tempo em que atende a expectativas da população registradas em audiências públicas e reuniões: ônibus mais confortáveis e frequentes com uma tarifa mais baixa.

Racionalizar serviço, reduzir tarifa

Como aumentar a oferta e a qualidade do serviço sem aumentar a tarifa? Como incorporar novas tecnologias para que o ônibus siga desempenhando papel vital na mobilidade das cidades? São José dos Campos contou com o apoio técnico da FGV para responder a essas perguntas. O novo sistema prevê a racionalização de linhas, eliminando sobreposições e incorporando o transporte coletivo sob demanda, a exemplo do que fazem Goiânia e Fortaleza, porém como parte estruturante do sistema.

Os três lotes atuais serão readequados para dois: um abrangendo as regiões norte, oeste e sul; outro, as regiões leste e sudeste. Segundo Guimarães, essa mudança também contribui para o sucesso da operação. “Hoje tem muita sobreposição e competição de linhas e operadores. A eliminação de um lote também elimina vários custos fixos: menos uma diretoria, um RH, uma contabilidade”, argumenta.

O novo modelo também desonera as empresas ao eliminar a outorga de operação. "O último lote licitado da concessão atual teve outorga de R$ 15 milhões. Nosso objetivo é oferecer mais conforto e frequência com menor tarifa, e isso passa pelo investimento inicial. Mudamos o modelo de seleção para [selecionar] a menor tarifa e estabelecemos a tarifa técnica de equilíbrio do sistema um pouco menor do que o adotado hoje", explica Guimarães. Enquanto a tarifa técnica atual é de R$ 5,04, a tarifa máxima prevista no novo edital será de R$ 4,98.

Em contrapartida, as empresas contratadas deverão ampliar e qualificar a frota: de 389 veículos para 545, incluindo vans, miniônibus, micro-ônibus, ônibus e articulados. “Conseguimos um aumento de 46% na oferta de transporte coletivo, tanto pela frota quanto pelo novo modelo operacional”, afirma Guimarães. Os veículos novos serão menos poluentes e terão comodidades como internet sem fio, carregadores USB, ar-condicionado, piso baixo. Os veículos menores devem ser renovados a cada 5 anos, os maiores, a cada 10 anos, que é também a duração da nova concessão.

Em outro projeto em andamento na cidade, São José dos Campos comprou 12 veículos articulados elétricos. São menos poluentes e vão operar na Linha Verde, um “corredor sustentável” que vai conectar as regiões sul, central e leste da cidade. “É um investimento de R$ 35 milhões que não ficou com os operadores”, pontuou Guimarães.

garagem repleta de ônibus

Com maior frota e novo modelo operacional, cidade espera aumentar oferta em 46% (foto: Charles de Moura/PMSJC)

Segundo edital para sistemas tecnológicos

Transporte coletivo sob demanda integrado ao sistema, pagamento 100% eletrônico, ônibus sem catracas. Mais do que um fator de qualidade, o componente tecnológico é um caminho para tornar o sistema mais eficiente, integrado, transparente e flexível. Para viabilizá-lo, a cidade repensou o próprio modelo de concessão. Além do edital para concessão da operação, um segundo edital selecionará empresas responsáveis pelas plataformas digitais que irão compor o novo sistema: tecnologias de geolocalização, gestão dos ônibus, bilhetagem e integração.

"Estamos tirando do contrato estes vários custos que hoje são do operador", afirma Guimarães. "Temos receita antecipada de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões por mês, de recargas de cartão. Entendemos que instituições como fintechs têm condições melhores de gerir essa arrecadação e produzir resultados financeiros dessa gestão", explica Guimarães, para quem a inclusão do novo ator também terá como consequência a fiscalização mútua entre operadores dos ônibus e dos componentes tecnológicos e financeiros do sistema.

Cinco plataformas para a mobilidade integrada

Um das plataformas digitais da licitação é para gerir os ônibus sob demanda, que poderão concorrer com apps como 99 e Uber. Carros por aplicativos concorrem pelos trajetos mais curtos, desequilibrando o subsídio cruzado: no Brasil, via de regra, clientes que realizam deslocamentos mais curtos subsidiam a tarifa para quem realiza deslocamentos mais longos. "Estão tirando as viagens mais lucrativas”, sintetiza Ciro Biderman, autor do estudo que embasa a criação das novas plataformas digitais integradas ao transporte coletivo de São José dos Campos.

Biderman destacou que a diferença do ônibus sob demanda de São José dos Campos em relação a Goiânia e Fortaleza é a integração total ao sistema com a mesma tarifa fixa. Do lado da operação, dados do sistema permitirão aos operadores otimizarem rotas e horários com base nas características dos deslocamentos dos clientes, adequando a oferta nas linhas periféricas e obtendo ganhos de desempenho. No futuro, é possível que linhas fixas passem a operar sob demanda com diferentes graus de flexibilidade. “Em paralelo, o operador poderá operar vans ou micro-ônibus sob demanda com tarifa dinâmica, para competir com o transporte individual", acrescentou Biderman.

Além do sistema de ônibus sob demanda, o edital deve prever outras quatro plataformas. São subsistemas integrados e interdependentes, e dois ou mais poderão ser concedidos à mesma empresa:

  • Compensação: sistema aberto para gerenciar o fluxo de pagamentos, que realize as compensações e remunere cada operador envolvido na viagem e a própria plataforma de compensação. Deve permitir que novos meios de pagamento se integrem ao sistema com facilidade.

  • Gerenciamento de ônibus: sistema que fará a gestão dos dados gerados pelos ônibus, permitindo a gestão eficiente e a avaliação da performance da frota. Primará pelo uso de código aberto, facilitando a inovação. Um laboratório estimulará a criação colaborativa de novas soluções por meio de concursos de projetos.

  • Comunicação com o cliente: além de um canal para avaliação de motoristas, veículos e linhas à semelhança da funcionalidade em apps de ride hailing, a plataforma de comunicação com o cliente também desenvolverá ferramenta para planejamento de rotas com previsibilidade de horários e informação em tempo real, em integração com as plataformas de pagamento e gerenciamento de ônibus.

  • MaaS: a Mobilidade como um Serviço existe quando há integração total entre as diferentes opções públicas e privadas de transporte disponíveis, com pagamento único em uma plataforma em que o deslocamento é adquirido "de porta a porta". O novo modelo de São José dos Campos traz muitos desses elementos em suas plataformas. A plataforma de MaaS deve fazer integração do sistema com os demais modos de transporte públicos e privados: bicicletas compartilhadas, táxis, carros por aplicativo. Deve ser aberta, de modo que novas opções possam ser integradas ao sistema ao longo do tempo.

Num futuro ideal, o conjunto de plataformas permitiria gerenciar a mobilidade urbana de modo a entregar a melhor experiência para os indivíduos ao menor custo para a sociedade. "A ambição é um sistema cada vez mais flexível, que direcione as pessoas o máximo possível para os meios bons para a sociedade e desincentive os ruins", sintetiza Biderman.

Elevando a régua do transporte coletivo

O volume de dados e a capacidade de processamento fornecerão indicadores para a manutenção da qualidade, e haverá um sistema de recompensas e penalidades com base em informações como pontualidade, regularidade, limpeza e infrações. O objetivo é "gerar uma competição sadia” entre os operadores.

Ao cenário complexo que o transporte coletivo enfrenta há quase uma década, se somou a incerteza da pandemia. Dado o grau de inovação e o momento que o mundo atravessa, o novo processo será aberto a empresas internacionais, “para evitar dar vazio”. Ao longo dos 10 anos da nova concessão, operadores poderão lançar mão de revisões ordinárias e extraordinárias para adequar a oferta e outros aspectos do sistema às variações da demanda e às transformações da mobilidade urbana.

O secretário Paulo Guimarães falou da importância da parceria de São José dos Campos com o WRI Brasil: a cidade integra o Grupo de Benchmarking, iniciativa do Programa QualiÔnibus. "O WRI Brasil contribuiu provendo indicadores de qualidade”, disse, destacando também o curso sobre transporte sob demanda realizado pelo WRI México. “Trouxemos muitas inspirações de lá”.

O Grupo de Benchmarking do Programa QualiÔnibus é formado por 16 participantes entre líderes de cidades e empresas operadoras com o objetivo de avançar na melhoria dos sistemas de transporte coletivo por ônibus com foco no cliente.

Confira a apresentação da nova concessão de São José dos Campos: