As florestas em todo o mundo estão sob uma ameaça preocupante. Todos os anos, entre seis e nove milhões de hectares de florestas (uma área quase do tamanho da Dinamarca) são derrubados de forma permanente e outros tantos milhões são degradados. Mas muitas das decisões que afetam as florestas são tomadas bem longe: as cidades abrigam as autoridades de governos que estabelecem políticas de uso da terra, as empresas que compram e vendem commodities que derrubam florestas e os investidores que financiam tudo isso.

Embora os habitantes das cidades em geral vivam longe da linha de frente do desmatamento, esses impactos ainda os alcançam. A perda e a degradação florestal contribuem com mais de 8% das emissões globais de gases do efeito estufa, deixando as cidades à mercê da elevação do nível do mar, ondas de calor extremo e tempestades cada vez mais intensas. A fumaça de incêndios florestais acentuados já alcança as áreas urbanas com frequência e estima-se que seja a causa de 340 mil mortes prematuras todos os anos. As fontes de água que abastecem as cidades estão sob estresse hídrico e poluídas com sedimentos nas áreas onde as florestas próximas das nascentes foram removidas. O desmatamento pode até mesmo levar à disseminação de doenças capazes de afetar severamente as cidades: estudos mostram uma relação entre o desmatamento no habitat de morcegos e o aumento de coronavírus como SARS, MERS e, conforme acreditam muitos especialistas, também o vírus por trás da pandemia de Covid-19.

Justamente porque são profundamente afetadas pelo desmatamento, as cidades também podem ser beneficiadas pela conservação florestal. É por isso que um grupo de cidades líderes está agindo para apoiar a conservação e a restauração de florestas em todo o mundo. Por meio de políticas públicas, investimentos e das causas que defendem, as cidades estão na linha de frente do movimento pela conservação florestal no momento em que essa é uma questão mais urgente do que nunca.

A seguir estão quatro maneiras inovadoras pelas quais as cidades têm fortalecido a conservação das florestas:

1. Cultivar florestas urbanas

Para muitas cidades, os investimentos em florestas começam por suas próprias ruas, parques e bairros. As florestas urbanas oferecem benefícios substanciais para as pessoas que vivem nas cidades, incluindo calor menos extremo, melhor qualidade do ar, valorização dos imóveis e melhora na saúde mental. Em circunstâncias certas, podem até mesmo salvar vidas.

Freetown, em Serra Leoa – uma das cidades mais chuvosas do mundo – sofreu com deslizamentos de terra devastadores depois de chuvas intensas, a mais severa delas tirou a vida de quase mil pessoas em 2017. Isso aconteceu em parte porque terrenos com declives acentuados se tornaram instáveis com a perda de árvores, que forneciam um dossel de proteção e um sistema radicular forte. Em resposta, a prefeita Yvonne Aki-Sawyerr deu início à campanha “Freetown, the Treetown” (em português, “Freetown, a Cidade das Árvores”) para plantar e cultivar um milhão de árvores até o final de 2022, priorizando regiões com risco de deslizamentos, margens de rios e áreas de baixa renda que precisam de mais verde. Essas árvores foram plantadas e são mantidas em conjunto com os moradores, que recebem micropagamentos em moeda mobile por seus esforços. As árvores vão reduzir a probabilidade e a severidade de futuras enchentes, e os solos da cidade serão mais capazes de absorver o excesso de chuva.

Kochi é uma das cidades que crescem mais rápido na Índia, e os moradores têm enfrentado enchentes intensas e riscos de calor extremo devido à diminuição da cobertura vegetal em decorrência de uma expansão urbana rápida e não planejada. As lideranças municipais, então, estão determinando um papel mais importante para as árvores, florestas e outras soluções baseadas na natureza no novo plano de gestão de desastres e nas estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A Kochi Municipal Corporation tem trabalhado com organizações comunitárias locais como a Kudumbashree – uma missão de erradicação da pobreza liderada por mulheres do estado de Kerala –, bem como WRI Índia e Cities4Forests para promover o plantio de árvores e florestas visando à resiliência a longo prazo, desenvolver projetos de restauração e revegetação na escala dos bairros liderados pelas comunidades e envolver as comunidades locais na proteção e manutenção dos espaços verdes já existentes.


<p>imagem de área florestas em Kochi na India</p>

Árvores costeiras em Kochi, na Índia, que ajudarão a proteger a cidade do calor extremo e de enchentes (foto: vladj55/ iStock)


Cada vez mais, as cidades começam também a planejar seus programas de florestas urbanas especificamente para combater disparidades em termos de equidade social. Essas disparidades incluem acesso desigual a áreas verdes, vulnerabilidade desigual ao calor extremo e a desastres naturais e uma falta de participação popular nos processos de planejamento e implementação de projetos de florestas urbanas.

2. Proteger florestas próximas de nascentes para garantir a segurança hídrica

Muitas cidades perceberam que devem olhar além de suas fronteiras para proteger os recursos naturais mais valiosos, incluindo água potável. Trinta e três das 105 maiores cidades do mundo dependem diretamente das florestas para obter água, inclusive para regular e tratar o fornecimento.

Muitas cidades investiram na proteção de bacias hidrográficas florestais fora do perímetro urbano para garantir o abastecimento de água potável. Essa ideia foi refinada pela The Nature Conservancy e outros parceiros no conceito de Fundos de Água: comunidades a jusante (em geral as cidades) pagam as comunidades a montante (normalmente em áreas rurais ou agrícolas) para proteger e fortalecer a natureza, a fim de garantir a segurança hídrica. Muitas cidades ao redor do mundo fazem isso, pois existem pelo menos 43 Fundos de Água em operação em 13 países. O conceito se tornou especialmente popular entre cidades latino-americanas como Bogotá e Cali, na Colômbia, e no Rio de Janeiro.


<p>imagem de área florestas em Cali, na Colômbia</p>

Bacia hidrográfica florestada protegida por um Fundo de Água em Cali, na Colômbia (foto: James Anderson/WRI)


As cidades estão se tornando cada vez mais inovadoras na forma como financiam a proteção florestal no alto dos rios (a montante). Little Rock (Arkansas, EUA) trabalhou com sua concessionária regional de água, a Central Arkansas Water (CAW), para implementar uma taxa de proteção de bacias hidrográficas nas contas de água dos moradores. A taxa ajudou a arrecadar recursos para adquirir e proteger terras florestais. Em 2020, a fim de aumentar a escala, a cidade emitiu o primeiro título verde para adquirir florestas visando à proteção de bacias hidrográficas, avaliado em US$ 31,8 milhões.

3. Tomar medidas políticas para florestas próximas e distantes

Muitos líderes urbanos progressistas expressam preocupação com o desmatamento em escala regional ou global, pois sabem que as florestas distantes de sua jurisdição também impactam o bem-estar das pessoas em suas cidades. Esses líderes começaram a movimentar as ferramentas mais poderosas que têm em mãos: sua influência política, cultural e econômica.

No Brasil, a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) – uma rede de mais de 400 prefeitos de todo o país – se tornou uma poderosa defensora das florestas. A rede atuou junto ao Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia para conseguir o apoio de outras 10 mil cidades e governos locais ao Pacto das Cidades da Amazônia, que defende uma maior conservação das florestas. O posicionamento político dessas cidades envia um sinal claro aos governos nacionais e estaduais de que devem priorizar a conservação das florestas se quiserem o apoio das cidades, bem como de seus eleitores e interesses econômicos que representam.


<p>imagem de desmatamento na Amazônia</p>

Área de floresta desmatada para agricultura na Amazônia brasileira (foto: de Neil Palmer/CIAT)


Não são apenas as cidades brasileiras que defendem a conservação da Amazônia. O presidente do distrito do Brooklyn, Eric Adams, trabalhou com vários membros do Conselho Municipal de Nova York para redigir uma resolução exigindo que as empresas e governos distritais da cidade “se desvinculem das indústrias agrícolas beneficiadas pelo desmatamento e pelo aquecimento global”, incluindo a de carne bovina. Adams também apoia o projeto de lei do Senado do Estado de Nova York, que visa proibir as empresas em contrato com o estado de contribuir para o desmatamento tropical ou boreal, diretamente ou por meio de suas cadeias de abastecimento. Uma mudança significativa como essa poderia mover os mercados de commodities em direção a alternativas mais sustentáveis, já que o orçamento anual de US$ 210 bilhões do estado de Nova York é maior do que as economias de mais de 160 países. A Califórnia também tem liderado com seu próprio projeto de lei estadual e uma resolução de Los Angeles contra o desmatamento relacionado à agricultura.

4. Usar o poder de compra para conter o desmatamento

Aproximadamente 80% do desmatamento é causado pelo cultivo de commodities agrícolas, como polpa de madeira, óleo de palma, carne bovina e soja. As cidades, na posição de maiores consumidoras dessas commodities, podem usar seu poder de compra para fazer com que a produção adote métodos mais amigáveis ​​às florestas, desencorajar a produção às custas de desmatamento e promover produtos alinhados a​​o manejo florestal sustentável.

Na cidade de Nova York, por exemplo, um grupo de líderes está explorando maneiras de apoiar as florestas por meio de projetos de infraestrutura. Em 2020, o Conselho Municipal de Nova York e o Van Alen Institute realizaram um concurso internacional de design para redesenhar a área de pedestres e ciclistas na icônica Ponte do Brooklyn. O projeto vencedor, “Floresta da Ponte do Brooklyn”, propõe a restauração do calçadão de pedestres da ponte com madeira tropical de origem sustentável proveniente de uma floresta administrada por comunidades locais na Reserva da Biosfera Maia, na Guatemala. Os recursos da venda da madeira são usados ​​para proteger florestas intactas das invasões ilegais por parte de pecuaristas que tentam derrubar a floresta para abrir espaço para áreas de pastagem.

Glasgow, na Escócia, explora uma abordagem semelhante na construção de infraestruturas antes de sediar a COP26, a cúpula do clima global. A cidade pretende desenvolver um programa chamado “Floresta Parceira”, a fim de buscar fornecedores de produtos florestais ​​como madeira, café e chocolate em empreendimentos florestais sustentáveis e, com isso, financiar os esforços de conservação. Como projeto de demonstração, a cidade trabalha com o Cities4Forests no projeto de um calçadão feito de madeira de lei sustentável proveniente da concessão da comunidade Carmelita, na Guatemala. As operações de manejo florestal da comunidade geram receita para ajudar a proteger a floresta por meio de investimentos em monitoramento, patrulhamento e reflorestamento, além de apoiar a subsistência local.

Outras cidades também têm mostrado criatividade no financiamento da conservação florestal por meio do pagamento de bens e serviços comuns. Na Indonésia, a cidade de Jacarta, por exemplo, está atualizando o JAKI, aplicativo oficial da cidade e amplamente utilizado, para permitir que os usuários de serviços de transporte por aplicativo calculem as emissões de carbono de seus trajetos e paguem para plantar árvores nativas em áreas desmatadas do país. O projeto vai ajudar a sequestrar emissões e a restaurar o habitat de espécies seriamente ameaçadas, como o tigre de Sumatra.


<p>imagem de Ajudante de um projeto de restauração florestal na Indonésia</p>

Ajudante de um projeto de restauração florestal na Indonésia. O aplicativo JAKI ajudará a financiar projetos como este (foto: James Anderson/WRI )


Um chamado à ação liderado pelas cidades em nome das florestas e do clima

As cidades podem avançar ainda mais na agenda florestal se trabalharem juntas em coalizões e alianças. Um excelente exemplo é o Cities4Forests, uma rede de cidades dedicadas à proteção e à restauração de florestas em escala local e global.

Na Semana do Clima de Nova York, um grupo de 56 cidades do Cities4Forests, incluindo mais de 50 prefeitos, lançou o “Chamado à Ação pelo Clima e as Florestas". A declaração convoca governos nacionais e subnacionais, empresas e instituições financeiras a intensificarem com urgência suas políticas e investimentos para apoiar a conservação, a restauração e o manejo sustentável das florestas.

Essas cidades representam mais de 170 milhões de pessoas que vivem em áreas urbanas, o que pode ser o estímulo que os países precisam para aumentar sua ambição no que tange à conservação florestal ao entrarem nas negociações da COP26. Os moradores das cidades também representam uma enorme base de clientes e atores financeiros, enviando um sinal claro para as empresas de que é hora de eliminar o desmatamento de suas cadeias de fornecimento e dos investimentos em commodities.

As cidades estão aproveitando a oportunidade para exercer alguma influência sobre o destino das florestas no planeta. O resto do mundo deve seguir o exemplo desse grupo de cidades à frente do movimento pela conservação florestal.


Artigo publicado originalmente no WRI Insights.