As evidências científicas mais recentes mostram que as emissões globais precisam atingir o “zero líquido” até a metade do século para prevenirmos os piores efeitos das mudanças climáticas. O financiamento – inclusive por parte do setor bancário – terá um papel chave para que possamos chegar lá. A ação climática exige grandes investimentos e, ao mesmo tempo, requer que os fluxos financeiros se afastem de atividades nocivas ao clima.

Diversos bancos estão começando a estabelecer compromissos de emissões líquidas zero, mas esse é um campo emergente. Muitos não sabem o que os compromissos de zero líquido de fato implicam ou como transformar promessas em mudanças reais nos modelos de negócios.

Embora ainda não exista uma definição padrão para o financiamento com emissões líquidas zero, já sabemos o suficiente para que os bancos comecem a correr atrás desses compromissos de forma significativa. Explicamos como neste texto e na pesquisa “Banking Beyond Climate Commitments” (em português, “O sistema bancário para além dos compromissos climáticos").

O que significa “financiamento com emissões líquidas zero” ou “financiamento alinhado ao Acordo de Paris”?

O Acordo de Paris inlcui três metas de longo prazo para as mudanças climáticas. As duas primeiras focam em mitigação e adaptação climática. A terceira é “tornar todos os fluxos financeiros coerentes com uma trajetória de desenvolvimento resiliente e de baixa emissão”.

Essa terceira meta reconhece o papel crucial das instituições financeiras, entre elas os bancos do setor privado, na concretização do Acordo de Paris – incluindo a necessidade de atingir o zero líquido das emissões até a metade do século e reduzi-las em 50% até 2030.

Adequar o setor financeiro é essencial por conta da influência singular que os bancos e outras instituições financeiras exercem sobre outros atores por meio de seus investimentos, empréstimos e serviços de consultoria. Padrões para a contabilização de gases de efeito estufa como o GHG Protocol e a Parceria para a Contabilidade Financeira de Carbono (PCAF, na sigla em inglês) reconhecem a necessidade de compromissos corporativos para fazer a contabilidade de Escopo 3, que diz respeito à responsabilidade dos atores não apenas pelas emissões de suas próprias operações e cadeias de abastecimento, mas também dos usuários de seus produtos. Essa lógica é especialmente relevante no setor financeiro, no qual as emissões de Escopo 3 ultrapassam em muito as emissões referentes às operações da empresa em si. Por exemplo: um banco que financia um projeto baseado em combustíveis fósseis também é responsável pelas emissões associadas a esse projeto.

Quando os bancos se comprometem com um portfólio de emissões líquidas zero ou alinhado ao Acordo de Paris, estão prometendo reduzir e eliminar essas emissões financiadas ao longo do tempo. Os compromissos são de zero líquido em reconhecimento da probabilidade de que quaisquer emissões remanescentes de GEE precisarão ser equilibradas pela remoção de gases da atmosfera, um processo conhecido como remoção de carbono.

Os bancos estão avançando nos investimentos alinhados ao Acordo de Paris?

Alguns bancos relevantes têm firmado compromissos com o financiamento sustentável desde antes do Acordo de Paris. Esses compromissos foram bem-vindos, mas não foram de fato difíceis: a ação climática é uma grande oportunidade comercial.

Desde que o Acordo de Paris foi estabelecido em 2015, os bancos reconhecem a necessidade de ir além nos compromissos de emissões líquidas zero. A Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido (GFANZ, na sigla em inglês) e a Aliança Bancária pelo Zero Líquido foram lançadas com alarde em abril de 2021. Os seis maiores bancos dos Estados Unidos – JPMorgan Chase, Bank of America, Wells Fargo, Citibank, Goldman Sachs e Morgan Stanley – se comprometeram com o zero líquido, assim como muitos outros bancos ao redor do mundo.

No entanto, apesar da urgência da crise climática e de um número crescente de compromissos com o financiamento sustentável e com o emissões líquidas zero, os grandes bancos ainda não alinharam os fundamentos de sua atuação ao Acordo de Paris.

A abordagem atual para incorporar as metas do Acordo no modelo de negócios de um banco é irregular. Quase todos os bancos ainda possuem ativos ligados a combustíveis fósseis em seu balanço orçamentário, e grandes bancos inclusive ampliaram seus negócios baseados em combustíveis fósseis desde que o Acordo de Paris foi assinado em 2015, oferecendo US$ 750 bilhões para esses combustíveis, só em 2020.

Alguns bancos avançaram mais do que outros. Os bancos éticos ou bancos baseados em valores – instituições que oferecem produtos bancários básicos semelhantes aos de bancos convencionais, mas que mantêm uma obrigação ética com a sustentabilidade – mostram que alinhar o trabalho às metas do Acordo de Paris pode ser lucrativo.

O Amalgamated Bank nos Estados Unidos e o ASN Bank na Holanda, por exemplo, estão muito à frente de outros bancos em seu alinhamento ao Acordo de Paris e nas metas de redução de emissões. Os dois contabilizam as emissões decorrentes de seus financiamentos, envolvem os clientes no alinhamento ao Acordo de Paris e oferecem produtos e serviços condizentes com as metas do Acordo.

Como os bancos podem acelerar essa transição?

Buscamos responder a essa pergunta na pesquisa Banking Beyond Climate Commitments, na qual estudamos 31 bancos ao redor do mundo, conversando com as equipes para entender exatamente o que precisa ser feito em duas frentes principais – engajamento dos clientes e inovação de produtos e serviços – para que o alinhamento ao Acordo de Paris seja efetivo.

Nossa principal conclusão é que os bancos ainda precisam definir o quanto os compromissos alinhados ao Acordo de Paris vão exigir que seus negócios mudem – incluindo a velocidade necessária para essa mudança e a forma como os avanços serão medidos.

Embora todos os aspectos nos negócios de um banco precisem mudar, as questões centrais são a relação com os clientes e os produtos e serviços oferecidos a eles. Esses dois elementos são essenciais para garantir o alinhamento ao Acordo de Paris e cumprir os compromissos de emissões líquidas zero.

5 formas de os bancos atingirem o zero líquido nas emissões a partir do engajamento dos clientes

Embora a maioria dos bancos coloque o engajamento dos clientes no centro de seus planos de alinhamento ao Acordo de Paris, poucos implementaran políticas ambiciosas o suficiente para isso.

Atualmente, as estratégias para engajar os clientes no alinhamento ao Acordo de Paris estão baseadas em “apoiar os clientes na transição climática”. Nenhum dos bancos que estudamos – exceto os baseados em valores – gostaria de excluir clientes que poluem. Até agora, os principais bancos limitaram-se a algumas restrições ao financiamento do carvão.

Embora os bancos tenham esperança de convencer todos os clientes a realizar a transição em seus modelos de negócio, esperança não basta. Os bancos precisam ser claros sobre suas expectativas. Nos casos em que o alinhamento ao Acordo de Paris por parte do cliente não for possível, o banco deve considerar a exclusão desse cliente.

Recomendamos que os bancos adotem cinco medidas para alcançar emissões líquidas zero por meio do engajamento dos clientes:

  1. Coletar e gerenciar dados de emissões das atividades dos clientes. Ao contabilizar de forma transparente as emissões de todo o portfólio, os bancos contarão com uma base de dados sólida para construir estratégias de engajamento dos clientes.
  2. Estabelecer metas de redução de emissões. Com base em seus próprios compromissos gerais de zero líquido, os bancos devem definir metas de redução para os clientes usando os dados de emissões de GEE e metodologias testadas, como a iniciativa Science-Based Targets.
  3. Implementar benchmarking entre os clientes. Os bancos devem usar dados e conversas com clientes para comparar o desempenho destes com seus pares (em relação ao alinhamento ao Acordo de Paris) e compartilhar as melhores práticas.
  4. Formular políticas de engajamento claras. Cada banco deve projetar e implementar políticas claras para garantir a transição dos clientes para atividades de baixo carbono, incluindo um prazo definido para a transição e uma declaração de quais condições levarão à sua exclusão do banco. Também é necessário ter prudência ao aceitar novos clientes e se envolver em novas transações.
  5. Garantir que os gerentes de relacionamento sejam bem informados. A equipe do banco precisa ser treinada quanto aos requisitos e oportunidades do alinhamento ao Acordo de Paris. Além disso, as políticas de recursos humanos dos bancos devem prever incentivos para treinamentos e bônus por desempenho não financeiro.

Bancos podem estimular compromissos de zero líquido por meio de Produtos e Serviços

E se em vez de apenas abrir mão de clientes que poluem os bancos se tornassem seus parceiros na transição para atividades de baixo carbono?

Essa é a meta.

Partindo do sucesso dos títulos verdes – os quais levantaram recursos para projetos sustentáveis específicos –, os bancos estão começando a oferecer “empréstimos relacionados à sustentabilidade”. Estes são comercializados para atender a uma demanda por “financiamento da transição” – financiamento projetado para ajudar as empresas a mudarem para atividades de baixo carbono. Os títulos verdes geralmente envolvem uma taxa de juros que flutua com base em indicadores-chave de desempenho de sustentabilidade, os quais podem estar relacionados a metas de redução de emissões ou métricas de sustentabilidade da cadeia de valor. Em outras palavras, um banco fornece um empréstimo a uma empresa para financiar atividades de transição, e a dívida desse empréstimo fica mais barata quanto mais bem-sucedida a empresa for em seus esforços de sustentabilidade.

Essas inovações são importantes. Até agora, no entanto, têm sido de rigor desigual – e, como essencialmente o financiamento da transição envolve trabalhar com clientes altamente poluentes, a preocupação com greenwashing (lavagem verde) é alta.

Assim como no engajamento dos clientes, os bancos precisam descrever sua abordagem de forma clara. Os dados e metodologias usados para introduzir novos produtos e serviços devem ser robustos e transparentes. Embora os padrões da indústria tenham evoluído para títulos verdes, nenhuma entidade terceira supervisiona o financiamento da transição.

Pode ser difícil obter bons dados de sustentabilidade, mas essas informações são necessárias se as taxas de empréstimo e outras forem depender do desempenho em sustentabilidade. Esse cenário pode melhorar se os bancos aumentarem a demanda por esse tipo de informação, tanto diretamente com seus clientes quanto com provedores de dados de sustentabilidade e agências de classificação ESG.

Os bancos precisam mover o setor financeiro em direção a financiamentos com emissões líquidas zero

Bancos trabalham com uma ampla variedade de clientes, de pessoas físicas a grandes empresas multinacionais de todos os setores. Essa diversidade reforça a influência que os bancos podem exercer sobre a economia. Bancos e investidores podem e devem colaborar, por meio de soluções de financiamento inovadoras e sustentáveis, para estimular que as empresas adotem trajetórias alinhadas às metas do Acordo de Paris.

A mudança para um sistema bancário alinhado ao Acordo de Paris será mais eficaz se todos os bancos do setor privado agirem. A Aliança Financeira de Glasgow pelo Zero Líquido e a Aliança Bancária pelo Zero Líquido podem desempenhar um papel vital conduzindo os bancos em uma direção sustentável se estabelecerem padrões ambiciosos.

Embora tenhamos nos concentrado no que os bancos podem fazer, de forma individual e coletiva, autoridades regulatórias como Federal Reserve, FDIC e outros (nos Estados Unidos) também têm um papel fundamental no incentivo aos bancos para que alinhem seus negócios ao Acordo de Paris. Todos os atores envolvidos precisam agir para enfrentar o desafio de financiar um mundo com emissões líquidas zero e resiliente ao clima.


Este artigo foi publicado originalmente no WRI Insights.