Quais as políticas públicas mais efetivas para alcançar as metas climáticas? Gestores públicos do mundo todo têm enfrentado essa questão diante do desafio de garantir que a transição para uma economia de baixo carbono contribua para solucionar a emergência climática e ao mesmo tempo gere muitas oportunidades, sem deixar ninguém para trás. No mais, há o desafio de fazer o melhor uso possível do dinheiro público, diante de um cenário de escassez.

O Brasil ganha nesta semana uma ferramenta que pode contribuir para essas decisões: o EPS Brasil. A sigla vem do inglês Energy Policy Simulator (simulador de políticas de energia, em tradução livre), que é um sistema capaz de simular os efeitos de emissão de gases de efeito estufa (GEE) diretos e indiretos conforme as políticas setoriais e intersetoriais estabelecidas naquele país. Por exemplo: se as exigências nos padrões de emissões dos veículos fossem maiores ou se o desmatamento ilegal chegasse a zero, quanto seria a redução de emissões do Brasil em 2050?

O EPS Brasil permite simular a interação entre políticas públicas, seus custos e benefícios. Se utilizado corretamente, ajudará a poupar dinheiro e, potencialmente, a vida de cidadãos brasileiros. Além da análise quantitativa da redução das emissões de GEE de cada política pública, a ferramenta também permite estimar a quantidade de incidentes (incluindo mortes e internações) evitados. O sistema considera os efeitos cumulativos entre as políticas e entre diferentes setores (por exemplo, não contará duas vezes políticas com efeitos semelhantes, mas estimará os efeitos sinérgicos).

Essa abordagem é importante, uma vez que políticas públicas promulgadas em conjunto, muitas vezes podem produzir resultados diferentes – com mais ou menos redução de emissões – do que a soma dos efeitos dessas políticas aprovadas individualmente. Essas políticas públicas também podem ser específicas para um setor ou tipo de tecnologia (por exemplo, medidas de incentivo à restauração florestal) ou para toda a economia (como a precificação do carbono).

Assim como outros países, o Brasil enfrenta o desafio de cumprir o compromisso de redução de emissões estabelecido no Acordo de Paris em um contexto de pós-pandemia e com necessidade de retomada econômica. Além disso, conforme prevê o acordo, os compromissos assumidos nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) devem ser revistos periodicamente, sendo que a ambição de redução de emissões deve ser crescente ao longo do tempo. As contribuições atuais dos Países Membros, incluindo o Brasil, ainda não são suficientes para o cenário de 2,0°C, quanto mais para o cenário de 1,5°C, que representa o limite máximo de aquecimento da temperatura global que os cientistas consideram necessário para evitar os impactos mais perigosos das mudanças climáticas.

Assumido o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência o ano base de 2005, o Brasil precisa agora de instrumentos confiáveis que informem e auxiliem tomadores de decisão a planejar políticas públicas com esse objetivo. O EPS Brasil contribui com essa análise ao simular quais ações são mais impactantes para alcançar os objetivos climáticos do Brasil, possibilitando também a projeção de possíveis cobenefícios econômicos, sociais e de saúde.

Até o momento, não existiam ferramentas em nível nacional de acesso amplo, irrestrito e transparente que oferecessem tais informações. Os brasileiros agora podem usar o EPS Brasil para avaliar os impactos climáticos de mudanças legislativas, novas regulações ou mudanças nas exigências para determinados mercados, simulando os efeitos de uma política pública ou de um conjunto delas em comparação com o cenário atual.

O que é o EPS Brasil e qual sua utilidade

Para desenvolver a ferramenta, criada pela Energy Innovation e já aplicada em países como Índia, China, Indonésia, México e outros, o WRI Brasil iniciou um trabalho em parceria com a organização, a Coppe-UFRJ e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em 2017. Foi preciso adaptar o sistema à realidade brasileira. Para isso, foram utilizados os dados do projeto Opções de Mitigação de Emissões de GEE em Setores-Chave do MCTI, que decidiu chamar a ferramenta de Simulador Nacional de Políticas Setoriais e Emissões SINAPSE MCTI. A versão adaptada para o Brasil foi além do setor de energia, incorporando as emissões derivadas do uso e ocupação do solo, que representam uma parte importante das emissões do país. O resultado foi a construção de 48 instrumentos, levando a cerca de 180 possibilidades de opções de políticas públicas, que podem ser calibradas por nível de implementação.

O modelo tem como categorias principais transporte; edificações; eletricidade; indústria; agricultura, florestas e outros usos da terra; aquecimento distrital e hidrogênio; políticas transversais e pesquisa e desenvolvimento. Ao ser aberta, a ferramenta apresenta o cenário BAU (Business as Usual), aquele em que não há alteração nas emissões, apenas a permanência dos padrões vistos atualmente, que representa a linha de base. Além dele, há dois pontos que indicam as metas da NDC brasileira para 2025 e 2030. A partir desses parâmetros, o usuário pode alterar políticas públicas para visualizar o impacto de sua adoção na redução de emissões.


<p>reprodução de uma tela da ferramenta EPS Brasil</p>

No gráfico acima, a linha preta representa o cenário Business As Usual (BAU) e a linha azul a simulação das emissões brasileiras caso as duas políticas selecionadas ao lado fossem implementadas no percentual escolhido. O gráfico também pontua a referência das metas estipuladas na NDC do Brasil (imagem: reprodução)


A ferramenta também oferece um exemplo de cenário que simula políticas inovadoras, intitulado “Políticas de P&D sem arrependimento” – designação utilizada por se tratarem de medidas de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) que se pagam e trazem receitas ao longo da vida útil da tecnologia.


<p>reprodução de uma tela da ferramenta EPS Brasil</p>

Simulação do cenário de Políticas de P&D sem arrependimento (imagem: reprodução)


Neste exemplo, foi considerado o incentivo à adoção de políticas de P&D que promovem a redução do custo de capital e o consumo de energia em diferentes setores. A primeira política considerada foi a redução de 20% nos custos de capital de novas soluções energéticas para todos os setores em 2050, partindo do nível de implementação de 10% desse potencial em 2022. A outra política foi a redução no uso de combustíveis, considerando um potencial de redução de 30% em 2050, partindo de um nível de implementação de 2,3% em 2021.

O cenário simulado permite estimar que essas políticas de Pesquisa & Desenvolvimento poderiam evitar quase 150 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente até 2050 em comparação ao cenário atual. A estimativa dos cobenefícios também mostra que seriam evitadas cerca de 4 mil mortes por problemas respiratórios.

Um caminho para a ação climática do Brasil

A partir de agora, qualquer brasileiro pode construir seus próprios cenários no EPS Brasil, especialmente os gestores públicos de todas as esferas responsáveis pelas políticas públicas que repercutem na questão climática. No futuro, a ferramenta pode ser aprimorada para permitir variações quanto ao grau de implementação dessas políticas, em especial no nível de desmatamento. Além disso, poderiam ser adicionadas novas políticas públicas aos setores. Outro aprimoramento seria o cálculo de outros benefícios gerados pelas políticas públicas, como a geração de emprego e renda associadas à redução de emissões.

Ao auxiliar na simulação de ações climáticas para reduzir emissões, o EPS Brasil ajuda a promover a transparência ao demonstrar como o país pode não apenas cumprir seus compromissos, mas aumentar a ambição climática com base na ciência disponível. A ferramenta contribui ainda para a identificação de oportunidades para que o Brasil esteja entre as principais economias do mundo na transição para um modelo de baixo carbono. Estudos já demonstraram que isso também pode ajudar a construir um país mais competitivo, eficiente, resiliente e menos desigual.