O Brasil passa por uma crise sem precedentes, com consequências que podem comprometer seriamente o desenvolvimento econômico e social do país. Há atualmente consenso de que sair dela passa por investimentos que ampliem a produtividade e competitividade, gerem mais e melhores empregos, e permitam um crescimento de longo prazo mais resiliente a riscos globais. Por outro lado, como indicou uma recente carta de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central do Brasil, está cada mais claro que há enormes vantagens em adotar uma “retomada verde”.

Infraestrutura de qualidade para a retomada verde

A infraestrutura é um elemento central de qualquer economia, pois viabiliza serviços públicos necessários para mais prosperidade econômica e inclusão social, gerando competitividade internacional, empregos e renda. No Brasil, infraestrutura e logística são defasadas e de má qualidade, gerando gargalos e entraves para o desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Muitas análises indicam que o Brasil precisa, no mínimo, dobrar por duas décadas o investimento corrente para superar essa defasagem.

Em um dos cenários do Plano Nacional de Logística (PNL 2025) em que há implantação de projetos em modais rodoviário, ferroviário, hidroviário, cabotagem e dutoviário, estima-se uma redução no custo de transportes de cerca de R$ 54,7 bilhões anuais a partir de 2025, além de redução na emissão de CO2 em aproximadamente 19,1 milhões de toneladas ou 14,3 % do total. Ainda, reduziria os gargalos logísticos de 31.661,5 Km para 12.606,8 Km, ou seja, em cerca de 60,2%.

O mesmo quadro pode ser observado no plano da infraestrutura social – como é o caso do saneamento básico. Este é um serviço essencial que afeta profundamente o bem-estar dos brasileiros e o capital humano do país – e fundamental para enfrentar crises de saúde pública como a criada pelo novo coronavírus. Porém, de acordo com o sistema nacional de informações sobre o saneamento, mais de 35 milhões de brasileiros não possuem abastecimento de água tratada e quase 100 milhões não têm acesso à coleta de esgoto, o que gera problemas de saúde e enormes custos para famílias e governos.

A falta de infraestrutura social básica também afeta a produtividade e causa perdas em outros setores econômicos. Por exemplo, todos os anos, licenças médicas de trabalhadores oriundas de infecções gastrointestinais evitáveis causam enormes perdas em processos produtivos, impactando a produtividade do trabalho e a geração de valor, especialmente nos setores industrial e de serviços. Áreas com esgotos a céu aberto e lixões de baixa qualidade geram desvalorização imobiliária e perdas de receitas de turismo, que deixam de entrar nos cofres públicos e privados.

É fácil entender por que, de uma forma geral, uma melhor infraestrutura e logística é fundamental para uma recuperação robusta. Mas por que infraestrutura de qualidade? Há pelo menos duas razões principais.

Primeiramente, os biomas do Brasil são capital natural necessário ao funcionamento da economia nacional. Por exemplo, aproximadamente 70% do PIB brasileiro vem de áreas que recebem chuvas ou água da Amazônia – cujas florestas estão em risco de danos irreversíveis. Qualquer investimento que esgote esse patrimônio natural ameaça o futuro social e econômico dos brasileiros. Por outro lado, as infraestruturas brasileiras já estão sendo afetadas por eventos climáticos extremos (incêndios, secas, elevação do nível do mar, acidificação dos oceanos, pesca reduzida etc.), e, por isso, precisam melhorar sua resiliência às mudanças climáticas. Investir em uma infraestrutura sustentável é preservar o capital natural e tornar a economia brasileira mais resiliente à mudança climática.

Ou seja, investir com sustentabilidade não é só um imperativo moral de preservar o patrimônio ambiental para futuras gerações brasileiras: é “economia inteligente”. Além destas vantagens econômicas e ambientais, há ainda uma vantagem pouco explorada no Brasil: aproveitar uma tendência dos mercados financeiros internacionais em privilegiar investimentos sustentáveis.


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Restauração no Pará: 70% do PIB brasileiro vem de áreas que recebem chuvas ou água da Amazônia (foto: Preta Terra)

Trilhões para o desenvolvimento sustentável?

As finanças verdes têm apresentado uma expansão significativa nas últimas décadas, e já apontam para uma nova tendência dos mercados financeiros internacionais. Somente entre 2016 e 2018, os ativos de investimento sustentáveis aumentaram 34% e chegaram a R$ 161 trilhões. Em países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, mais da metade do total de ativos gerenciados são verdes, realidade para a qual se direciona o continente europeu. Estados Unidos e Japão têm 26% e 18% de ativos sustentáveis, respectivamente.

Em 2019, a emissão global de títulos verdes foi estimada em US$ 57 bilhões, um recorde em relação aos anos anteriores. As previsões para 2020 são de US$ 350 bilhões, centrados majoritariamente na Europa, América do Norte e região Ásia-Pacífico, em especial na China. Grande parte da rápida expansão desses mercados ocorreu devido à responsabilidade corporativa ou a mandatos impostos pelos acionistas aos principais bancos, fundos e investidores institucionais.

Na China, em contraponto, a expansão desse mercado foi impulsionada pelo governo, que fez esforços extraordinários para "esverdear" seus mercados financeiros domésticos. Desde 2016, o mercado local chinês de títulos verdes cresce rapidamente. Com emissão total de US$ 60,9 bilhões em outubro de 2018, o país atualmente é o segundo maior mercado de títulos verdes do mundo, depois da União Europeia. A América Latina tem sido a retardatária nesta direção; a região detém apenas 2% do mercado, com o Brasil liderando as emissões (US$ 5,1 bilhões), seguido por Chile (US$ 3,1 bilhões) e México (US$ 1,8 bilhão). As instituições financeiras e empresas brasileiras têm explorado o mercado de títulos verdes, mas ainda existe um enorme potencial de expansão.

As oportunidades de captação de financiamento não param nos mercados “verdes” de títulos e crédito. A sustentabilidade já é um princípio norteador nos mandatos dos parceiros multilaterais de desenvolvimento do Brasil, como Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e Novo Banco de Desenvolvimento. Essa tendência deverá crescer à medida que os bancos multilaterais de desenvolvimento integrarem o risco climático em seu processo de gerenciamento de portifólio. No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprofundou seu papel de financiador direto de projetos sustentáveis, além de atuar como uma figura central na emissão de títulos verdes. O BNDES, por sua vez, vem implementando uma política bem-sucedida de desenvolvimento de novos instrumentos que alavancam recursos de bancos privados e conexão entre executores de projetos de infraestrutura e investidores institucionais.

O mais significativo é que, neste momento, bancos e investidores privados internacionais estão se distanciando de ativos que provavelmente serão afetados por mudanças na regulação de emissão de carbono. Recentemente, eles têm se tornado cada vez mais preocupados com eventos climáticos extremos (incêndios, secas, aumento do nível do mar) devido à desvalorização que seus ativos podem sofrer. No Brasil, as tendências dentro do sistema financeiro privado também foram positivas – porém tímidas. Os empréstimos privados para projetos sustentáveis não têm crescido tão rápido, mas têm um enorme potencial de expansão – conforme indicado por uma série de estudos da Federação Nacional das Bancos (Febraban). Com efeito, a Febraban oferece sistematicamente orientações sobre como acelerar esse movimento apoiadas nas melhores práticas internacionais.

Na América Latina, o cenário é mais incipiente, o que pode ser encarado como uma oportunidade: há espaço para o Brasil ocupar, e recursos para o país acessar ao elaborar projetos sustentáveis, que promovam, por exemplo, a preservação do capital natural ou a redução nas emissões de carbono. O setor financeiro já está mais reticente a investimentos em projetos convencionais que não levem totalmente em conta os riscos ambientais, sociais e climáticos. Grupos de investidores e fundos de investimento têm mobilizado trilhões em capitais para financiar a transição de baixo carbono e projetos com baixo impacto climático, e se comprometido a migrar portifólios de investimentos para investimentos de zero emissões líquidas nas próximas décadas.

Projetos de qualidade são projetos sustentáveis

Se o potencial do Brasil para captar estes recursos internacionais é grande, este potencial só poderá deslanchar a partir da mudança de percepção e confiança dos investidores internacionais. Além disto, o país necessita desenvolver pipelines de projetos sustentáveis, a coordenação entre entidades públicas (nacionais e subnacionais) e multilaterais. Por fim, deve utilizar de forma estratégica os instrumentos capazes de mitigar riscos e fazer a ponte entre a demanda externa por ativos “lastreados em sustentabilidade”. Parece muito, mas o Brasil já possui muitos desses quesitos alinhados para realizar gols no futuro imediato.

O Brasil tem despertado a preocupação de atores políticos e econômicos internacionais. Um grupo de 29 investidores internacionais com quase US$ 4 trilhões em ativos assinou carta enviada a sete embaixadas brasileiras no exterior pedindo políticas de combate ao desmatamento, diante do aumento reiterado nos números que apontam a derrubada da floresta amazônica. Em junho, 29 eurodeputados enviaram carta ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, dizendo que não controlar o desmatamento pode colocar em risco acordos comerciais do Brasil com o bloco europeu.

Mudar essa imagem passa por reforçar de forma inequívoca os mecanismos de fiscalização e combate ao desmatamento e outras atividades incompatíveis com a manutenção do capital natural do país, além de fortalecer o estímulo à agricultura de baixo carbono. Como um dos maiores produtores de alimentos no mundo, o Brasil dispõe de políticas importantes como Plano ABC e Planaveg. Elas têm potencial para gerar resiliência e tornar nosso agronegócio mais produtivo e competitivo, e podem ajudar a restaurar a imagem do país como protetor dos recursos naturais e produtor sustentável de alimentos de qualidade. Porém, precisam se tornar a regra no financiamento agrícola, e não a exceção.

Outro requisito importante para acessar esses recursos é a existência de projetos de infraestrutura de qualidade – nos tempos atuais, o termo implica, obrigatoriamente, em sustentabilidade. Investimentos que podem incorporar soluções baseadas na natureza e trazer múltiplos co-benefícios ambientais, sociais e econômicos. Segundo estudo da Comissão Global sobre Adaptação, o investimento em infraestrutura resiliente em países em desenvolvimento na próxima década pode trazer benefícios líquidos de US$ 4,2 trilhões ao longo da vida útil das estruturas, com um retorno de US$ 4 para cada dólar investido.

Com investimentos sustentáveis em energia, construção, transporte, gestão de resíduos e eficiência energética industrial, o Brasil tem um potencial de gerar US$ 1,3 trilhão que poderiam apoiar novos créditos e emissões de títulos. O que esta nova realidade requer não é que se "reinvente a roda", mas a adoção de melhor planejamento, provisão de capacidades "inteligentes desde o início" (especialmente a nível subnacional) e melhoria do ambiente de negócios. Do ponto de vista regulatório, exigiria um apoio adicional para “esverdear” bancos e mercados de títulos locais – como têm feito a China e a Índia.

Por fim, é importante utilizar e coordenar os instrumentos de política adequados para criar “pontes” e “instrumentos” capazes de atrair tais recursos. É o caso de bancos e instituições bilaterais e multilaterais, que tendem a priorizar projetos sustentáveis. No plano nacional, os instrumentos (nacionais e subnacionais) de política existentes devem ser utilizados de forma estratégica . Por exemplo, o BNDES deve continuar desempenhando papel crucial no financiamento de grandes projetos de infraestrutura e agricultura. Mas, por seu protagonismo, a instituição tem também um papel a cumprir na criação de novos mecanismos financeiros verdes, que facilitem a aproximação entre projetos e investidores privados internacionais.

Uma oportunidade para o Brasil

O Brasil não pode perder a oportunidade de sair dessa crise mais fortalecido e preparado para um novo ciclo de crescimento e desenvolvimento sustentável e competitivo. O aperfeiçoamento das garantias sociais e ambientais no planejamento e construção de infraestrutura de qualidade, amparado na estruturação de projetos mais robustos, é vital.

A criação de condições favoráveis de estímulo à infraestrutura sustentável, de qualidade, não representa uma ruptura. As instituições públicas e privadas do país já possuem capacidade e conhecimento acumulados para avaliar elementos de sustentabilidade e tomar melhores decisões sobre infraestrutura. O governo brasileiro aprovou melhorias no ambiente de negócios nos poderes Executivo e Legislativo – como foi o caso recente do marco legal do saneamento. E o Congresso Nacional já está discutindo outros projetos cruciais – incluindo compras públicas, concessões, parcerias público-privadas e questões referentes ao aprimoramento do licenciamento ambiental – que permitiriam planos integrados, estudos avançados de viabilidade e um robusto pipeline de projetos de infraestrutura no país.

Não há incompatibilidade entre o desenvolvimento sustentável e a prosperidade, nem entre o financiamento internacional e a proteção do capital natural e da soberania do Brasil. Pelo contrário: a adoção de uma agenda sustentável para os investimentos em infraestrutura e nas cadeias produtivas tem o potencial de restaurar a credibilidade do país no cenário internacional e garantir recursos valiosos para que o país avance sem deixar ninguém para trás.