Há alguns anos, pesquisas de diferentes áreas e atividades econômicas demonstram que muitas práticas mais sustentáveis são também economicamente viáveis. Mas como avaliar qual o rumo da economia caso várias dessas práticas fossem adotadas? Publicado recentemente, um estudo liderado pelo WRI Brasil e pela iniciativa New Climate Economy, realizado em parceria com especialistas de diversas instituições de pesquisa brasileiras, demonstrou que uma economia verde significaria 2 milhões de empregos a mais em 2030 e um valor adicional de Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 2,8 trilhões até 2030 na comparação com o modelo de desenvolvimento atual.

Como foi possível chegar a essa avaliação? O estudo realizou um trabalho robusto de modelagem econômica e revisão bibliográfica para avaliar cenários da economia brasileira na próxima década. Roberto Schaeffer, professor titular de Economia da Energia do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ, doutor em política energética e especialista em modelos de avaliação integrada em energia, uso do solo e mudanças climáticas, foi um dos autores do trabalho. Nesta entrevista, Schaeffer explica de que forma foi feita a modelagem que indicou uma retomada verde como a melhor saída para a crise econômica que o Brasil enfrenta. Ele detalha como os números evidenciam que uma economia de baixo carbono significa mais empregos, renda e crescimento para o país.

O senhor poderia explicar como são feitas modelagens econômicas como as que são utilizadas no estudo da nova economia para o Brasil?

Roberto Schaeffer: Essas modelagens são feitas a partir de modelos matemáticos já desenvolvidos antes. Nós, na Coppe/UFRJ, temos a tradição de, nos últimos 20 anos, desenvolver modelos específicos para as áreas de energia, indústria, transportes e uso do solo. Você tenta criar relações matemáticas para associar como um certo setor da economia tem que funcionar para atender determinada demanda. Imagina um cenário de como o PIB do Brasil vai evoluir no tempo. O nosso modelo, que chamamos de BLUES (Brazilian Land-Use and Energy Systems Model), tem 12 mil tecnologias representadas. Lá aparece quanto um caminhão, um carro ou um trem consomem de combustível, como é o consumo de energia elétrica para determinada indústria, então o modelo mapeia como determinado setor depende de outro para poder atender uma dada demanda que você está projetando. O que fizemos nesse estudo foi isso. A partir de cenários de evolução do PIB no tempo, a gente fez três cenários possíveis, um no qual o crescimento se dá nas mesmas bases que já vinha se dando, por exemplo com o transporte nas cidades basicamente por ônibus a diesel, a produção de cimento basicamente com a mesma tecnologia, o setor elétrico brasileiro da mesma maneira, e dois cenários alternativos que simulam como seria se o setor de mobilidade fosse diferente, mais para ônibus elétricos, por exemplo. A partir disso, o modelo prevê que a demanda de energia elétrica vai ser maior e a de diesel menor. Se nesse mesmo cenário eu assumo, por exemplo, que meu setor elétrico vai se tornar mais renovável ao longo do tempo, com base em eólica e solar, isso tem implicações para o resto da economia.


O estudo faz um casamento de duas modelagens, uma brasileira e uma internacional. Qual o resultado disso?

Com essas conclusões do modelo BLUES, passamos as informações para o Andrea Bassi (fundador e CEO da KnowlEdge SRL, senior associate do International Institute for Sustainable Development e professor nas universidades de Stellenbosch, na África do Sul, e de Geneva, na Suíça), que é nosso colega na Itália. Ele trabalha com o Modelo de Economia Verde (MEV) que é capaz de prever a partir disso a geração de renda, de emprego etc, associado ao crescimento desses novos setores. Tem várias maneiras de fazer esse casamento. É possível fazer um hard link, em que um modelo é ligado no outro e retroalimenta o outro. No caso desse estudo, optou-se por pegar dois distintos e alimentar o segundo a partir dos resultados do primeiro, manualmente. O BLUES é muito voltado para energia, mobilidade, uso do solo, e com essa informação o MEV consegue simular quantos empregos são gerados para construir e operar uma usina termelétrica a carvão, por exemplo, e quantos empregos são gerados para uma usina eólica. Então o MEV pega os resultados do modelo BLUES e traduz isso em variáveis econômicas, como renda, emprego e outras.

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Quais perguntas as modelagens são capazes de responder para apoiar o Brasil em uma retomada verde e quais limitações elas têm?

Importante esclarecer que esse tipo de modelagem não prevê o futuro, pois aí iríamos errar mesmo. Esse tipo de modelo serve para testar se o futuro for em determinada direção, quais são as implicações disso, e se for em outra direção, quais são as implicações. O que a gente fez foi supor um futuro para o Brasil do jeito como ele é hoje crescendo no tempo. Com isso conseguimos saber o número de empregos gerados, a renda, a poluição. Mas e se eu supor um Brasil em que a mobilidade é diferente, a agricultura é mais eficiente, consorcia floresta e pasto com agricultura em si, o setor elétrico tenha uma vertente mais renovável? A partir disso, a gente simula quais as implicações desse futuro diferente. É para isso que o modelo serve. Não é para prever o futuro, mas para mostrar que diferentes futuros são possíveis e cada futuro tem uma implicação diferente em termos de investimentos, empregos e renda.

Sempre se falou muito que o Brasil tem um enorme potencial para ser uma potência ambiental. Cada vez mais os números provam isso?

Seguramente. Esse estudo coloca no papel, em números, em realidades duras, testáveis, que de fato esse Brasil que se falava que era melhor, agora é possível provar que ele é melhor até do ponto de vista econômico. Mesmo sem pensar a questão ambiental, que é a minha preocupação primeira, mas não quer dizer que seja a de todo mundo, olhando apenas do ponto de vista econômico, o estudo mostra que um Brasil mais voltado para o baixo carbono é melhor. Isso agrada desde a pessoa que quer comer carne, mostrando que é possível ter um rebanho que não desmata, agrada um ambientalista que acha que a floresta precisa ficar em pé, agrada setores da classe média que neste novo Brasil podem ter melhores oportunidades de renda e emprego. Agrada todo mundo.

Os resultados mostram que os cenários preveem impactos diferentes conforme o setor da economia. Por que determinados setores têm resultados melhores do que outros em termos de empregos, por exemplo?

Uma coisa é você fazer compra de livros pela internet, em que milhares de pessoas estão acessando um site e talvez tenha um ou dois funcionários lá para administrar as compras. Outra coisa é você ir em um restaurante que tem 20 garçons. São as peculiaridades da economia que mostram que alguns setores têm mais capacidade de gerar emprego ou renda do que outros. Isso tem muito a ver com o lugar da cadeia produtiva em que você está. Se você olhar a pauta de exportações do Brasil, hoje é principalmente petróleo cru, soja em grão ou em farinha, minério de ferro, etanol, entre outras coisas. Dado que essas atividades econômicas são muito do começo da cadeia – exportar minério de ferro, por exemplo, é basicamente ter uma máquina que cava um buraco, joga num caminhão, que vai ao porto e levam embora –, a geração de emprego é zero. Exportação de petróleo também. É muito diferente de uma economia que se sofistique ao longo do tempo e pegue o minério de ferro e faça daquilo aço, daquele aço faz uma bicicleta ou uma panela. Então, dependendo da sofisticação da economia e suas atividades, isso tem implicações muito grandes em termos de salários que são pagos e números de empregos que são gerados. O modelo (BLUES + MEV) mostra que para painéis solares de telhado, por exemplo, significa que você vai ter uma pessoa que sobe no telhado, que precisa ter curso de formação técnica, e isso gera um tipo de emprego e renda que é de melhor qualidade e mais abundante do que se continuar em grandes hidrelétricas que uma vez prontas funcionam por 50, 100 anos, com poucas pessoas operando. Claro que estou simplificando muito, mas a gente mostra que diferentes caminhos são possíveis para a economia brasileira e que alguns são melhores do que os outros em termos de geração de emprego e renda.

As tecnologias recomendadas no estudo e os resultados da modelagem seguem válidos mesmo com o surgimento da pandemia?

A análise sempre valerá para o médio e o longo prazo porque espera-se que essa pandemia tenha implicação por um ano ou dois, no limite três ou quatro, mas a nossa análise não é de curto prazo. Geração de renda e emprego não é gerar emprego hoje para daqui a dois anos não ter mais. Então, dado que nossa análise busca pensar um futuro melhor para o Brasil, ela independe de uma crise localizada e que traz perturbações hoje, mas não altera o médio e o longo prazo. O que queremos explorar agora é como a crise da Covid-19 afeta as coisas. Porque a urgência de sair da crise pode levar a certos caminhos que no curto prazo até podem fazer sentido, mas no longo prazo, não.

Como a modelagem pode contribuir para a elaboração de um plano de recuperação econômica do Brasil?

Pode contribuir 100%. Quando começamos, em 2019, já era um Brasil em crise. A crise que vivemos hoje em função da Covid-19 é o aprofundamento de uma crise antiga. A motivação do estudo, de mostrar caminhos melhores para o Brasil, continua relevante, agora mais do que nunca. O que o estudo mostra é que há diferentes maneiras de sair dessa ou de outras crises, mas uma saída de baixo carbono se mostra a estratégia mais inteligente.

A modelagem evidencia as oportunidades de uma nova economia em termos de crescimento de PIB, geração de empregos, redução das emissões de gás de efeito estufa (GEE), dentre outros. Quais os desafios de implementação dessas oportunidades? O que é necessário fazer para avançar nessa agenda?

De maneira geral temos um problema de planejamento, de organização do país. Não é um problema específico deste governo, mas também pertence a ele, que tudo que estamos falando são visões de futuro para o país que vão muito além do mandato de um presidente ou governador. Esse é um eterno dilema, seja no Brasil ou fora. O que estamos propondo são quase medidas de Estado, no sentido de que devem ir além desse governo. Um dos problemas é que, se você analisa o curtíssimo prazo, talvez algumas das linhas que estamos indicando se mostrem mais caras. Por exemplo, no curtíssimo prazo, conter o desmatamento da Amazônia significa gastar dinheiro para isso. Esse é um pouco o dilema. O que estamos propondo é um redirecionamento da economia brasileira que significa ela começar a se pensar para além do mandato deste governo. São visões de futuro para o Brasil, que significam um país que lida melhor com sua agricultura, pecuária e florestas, com seu setor energético, com a sua mobilidade urbana, entre outras coisas.

O estudo mostra que a retomada verde é boa para a economia. Mas como fica a questão ambiental?

Outros estudos fora do Brasil já mostram, por exemplo os Green Deals, os pacotes de investimentos da Europa para sair da crise da Covid-19 através de uma economia mais verde, já mostram de maneira geral que uma economia verde é melhor do ponto de vista econômico também. Porém, a motivação principal é a questão ambiental mesmo, entendendo que as mudanças climáticas são o principal desafio que o mundo tem. Não adianta todos ganharem bem ou ter muito emprego se lá na frente todos vão morrer de calor ou com suas casas inundadas. O bom é as duas coisas, a questão ambiental é importante, e junto a isso que bom que, por coincidência, é economicamente melhor. Porém, mesmo que não fosse melhor, se você não tem escolha, teria que ir para a economia verde mesmo que fosse pior. É como a Covid-19. É muito melhor lidar com a crise e a economia melhorar, mas mesmo que fosse piorar, ainda seria preciso lidar com a Covid-19.