Os ônibus elétricos já são uma realidade e uma alternativa viável para a transição energética no setor de transportes. No Brasil, a descarbonização não é apenas uma resposta às mudanças climáticas, mas também uma estratégia para qualificar o transporte coletivo. Considerando iniciativas já em desenvolvimento e metas de eletrificação de cidades brasileiras, espera-se nos próximos anos um crescimento significativo da frota do país, que hoje conta com 92 ônibus elétricos a bateria.

O Brasil tem potencial para se tornar um líder global em mobilidade elétrica devido à sua matriz energética favorável. Para garantir esse potencial, é importante considerar que um projeto de eletromobilidade no transporte coletivo vai além da aquisição de veículos e passa por diversas etapas que desafiam as cidades. Uma dessas etapas é o planejamento e a implementação de infraestrutura de recarga.

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Na América Latina, o Brasil já é o país com mais infraestrutura de recarga para veículos leves. No entanto, no transporte coletivo, a situação é outra: cidades brasileiras enfrentam desafios tecnológicos e financeiros para garantir uma infraestrutura robusta. A eletromobilidade no transporte coletivo requer uma infraestrutura de maior complexidade, que envolve desafios como a capacidade de fornecimento da rede de distribuição de energia elétrica, a disponibilidade de locais/terrenos para recarga, o custo de implementação e a engenharia para garantir a interoperabilidade entre os produtos de diferentes fabricantes. Com um planejamento integrado, as cidades brasileiras poderão se beneficiar de oportunidades que essa expansão trará: maior desenvolvimento desse segmento na indústria, utilização de energias renováveis, estabelecimento de PPPs e desenvolvimento de políticas públicas de incentivo.

Sistemas e estratégias de recarga

Todo o projeto de infraestrutura de recarga compreende alguns conceitos básicos, como o sistema de recarga e a estratégia de recarga.

Sistema de recarga é a forma como a eletricidade é transmitida da rede elétrica para o sistema de armazenamento do veículo. Há dois tipos principais de sistemas de recarga:

recarga indutiva de onibus eletrico
Recarga indutiva na Alemanha (foto: Sebastian Wendel/CC)
  • Recarga condutiva, ocorre quando o carregamento é realizado por meio de uma conexão física entre a rede elétrica e o veículo. Inclui a recarga plug-in, quando o veículo é conectado a um carregador por um conector; e a recarga por pantógrafo, que implica em parar o ônibus sob ou próximo a um dispositivo de carregamento, que se conecta à parte superior ou à lateral do veículo.
  • Recarga indutiva, em que o ônibus é alimentado com energia elétrica fornecida por meio de um campo magnético, sem conexão direta entre o veículo e o carregador. O carregador pode ser instalado no pavimento, e os ônibus são recarregados ao passar sobre a área. Muito usado para recarga de oportunidade (leia abaixo).

A recarga plug-in (foto abaixo) é uma das opções mais populares e mais acessíveis economicamente. Embora seja um tipo de carregamento que geralmente exige mais tempo para a recarga completa, pode reduzir os gastos com eletricidade, uma vez que os veículos são carregados durante a noite, quando a energia costuma ser mais barata. Esse sistema oferece ampla variedade de tipos de conectores, de velocidades de recarga e de fabricantes/fornecedores.

ônibus plugados no carregador
Sistema de recarga condutiva plug-in em eletroterminal de Salvador (foto: Pollyana Rêgo/WRI Brasil)

Estratégia de recarga é a definição de como a recarga será feita, considerando horários, locais e equipe, por exemplo, de modo a garantir uma infraestrutura de recarga adequada aos requisitos operacionais das linhas. Definir uma estratégia adequada ao contexto local e ao tamanho da frota de ônibus é fundamental para o sucesso do projeto. As principais estratégias são a recarga na garagem, a recarga de oportunidade e a recarga mista.

A recarga na garagem costuma ser realizada à noite. Nesse tipo de recarga, é importante considerar a localização da garagem para minimizar a quilometragem improdutiva.

Já na recarga de oportunidade o veículo é recarregado ao longo da rota, usualmente em terminais ou em pontos de ônibus. Pode ser realizada tanto por recarga condutiva quanto indutiva. O tempo de carregamento geralmente é inferior ao da recarga na garagem, variando de segundos a até alguns minutos para uma carga parcial, que permita que o ônibus chegue ao próximo ponto de carregamento.

A combinação de uma recarga noturna do veículo e recargas auxiliares durante a operação diurna chama-se recarga mista. Essa estratégia reduz a necessidade de que o veículo saia da garagem com uma grande autonomia.

Definindo a infraestrutura de recarga

A definição do sistema e da estratégia de recarga deve seguir uma análise detalhada, considerando as demandas da operação, no que diz respeito às linhas existentes e suas características – por exemplo, a distância e o acesso à garagem em relação ao trajeto da linha. Também deve considerar a disponibilidade de energia e acesso a unidade consumidora à rede de média ou alta tensão, que podem condicionar a viabilidade da construção de um eletroterminal em uma determinada região da cidade.

O custo do investimento será impactado por essas e outras definições, como o tamanho das garagens, as necessidades de ajustes na rede de energia e possíveis otimizações com a utilização dos sistemas de recarga inteligente.

A definição da infraestrutura de recarga não é um processo linear e passa por etapas que vão desde a articulação de atores públicos e privados até o controle e monitoramento da infraestrutura. Cada combinação de sistema e de estratégia de recarga terá uma viabilidade técnica e econômico-financeira que deve ser considerada durante o processo de tomada de decisão.

Cidades à frente na infraestrutura de recarga

Planejar um eletroterminal deve considerar fatores geográficos e limitações como a disponibilidade de energia e tensão de fornecimento. Algumas cidades se destacam no planejamento de eletroterminais.

Na América Latina, Bogotá possui em operação 1485 ônibus elétricos, uma das maiores frotas de ônibus. Para a recarga desses veículos, existem seis garagens construídas em diferentes pontos da cidade que incluem estações de recarga, zonas de estacionamento e manutenção dos veículos.

No Brasil, as duas cidades que dispõem de eletroterminais próprios para a recarga de ônibus elétricos a bateria são Salvador e São José dos Campos.

eletroterminal de Salvador
Eletroterminal de Salvador (foto: Pollyana Rêgo/WRI Brasil)

Desde 2022, Salvador conta com 8 ônibus elétricos em operação em seu corredor BRT. Em setembro de 2023, a cidade inaugurou um eletroterminal para o sistema, com capacidade para carregar até 20 ônibus simultaneamente, construído pela empresa Nansen. O investimento resultou em uma estrutura equipada com 10 carregadores de corrente contínua (CC), cada um com uma potência de até 160 kW que efetuam a recarga completa dos veículos em até 3h30min. Durante o processo de planejamento, realizado com apoio do WRI Brasil no âmbito da TUMI Missão Ônibus Elétricos, a cidade considerou uma localização estratégica que garantisse a eficiência da operação. O eletroterminal foi instalado no Terminal Rodoviário, na extremidade Norte do corredor expresso utilizado pelo BRT. Essa escolha garante uma economia de tempo, assim como redução de consumo, aumentando a disponibilidade da frota.

eletroterminal de São José dos Campos
Eletroterminal de São José dos Campos (foto: Claudio Vieira/PMSJC)

São José dos Campos seguiu uma estratégia semelhante ao instalar a infraestrutura de recarga inaugurada no início de 2022 para atender a frota de 12 ônibus elétricos superarticulados que operam na Linha Verde do BRT. A instalação da infraestrutura, que conta com seis carregadores de 200 kW capazes de recarregar os veículos em cerca de três horas, também foi feita pela Nansen e recebeu investimento de R$ 4,6 milhões.

 

Superando os desafios e construindo um caminho sustentável

Planejar e implementar de maneira adequada essa etapa de infraestrutura de recarga pode aumentar a eficiência do sistema, mitigar riscos e custos e otimizar a infraestrutura necessária. Durante o processo, considerar as características do contexto local, do sistema de energia elétrica e garantir a participação de diferentes atores no processo é crucial para que o eletroterminal seja implementado de maneira adequada.

Dessa forma, as cidades brasileiras terão mais insumos para potencializar o crescimento da eletrificação no país e garantir um transporte coletivo de qualidade.


Agradecemos à equipe da Nansen, que contribuiu tecnicamente para este artigo.