No norte do Espírito Santo, um processo de planejamento participativo para a restauração de paisagens e florestas tem gerado frutos. Esse processo permitiu incluir a restauração nos planos dos comitês de bacias hidrográficas, gerou guias de restauração para comunidades locais, destravou o acesso a políticas de Pagamentos por Serviços Ambientais para pequenos produtores e atraiu para a região recursos e projetos de ONGs e empresas privadas. Tudo isso a partir de um planejamento que, antes de tudo, buscou escutar dos atores locais sobre suas motivações e oportunidades para restaurar paisagens degradadas. 

O caso é um exemplo de uma abordagem social-ecológica da restauração, segundo um estudo recentemente publicado na revista científica Trends in Ecology and Evolution. O estudo, chamado Beyond ecology: ecosystem restoration as a process for social-ecological transformation, (em português, tradução livre: “Para além da ecologia: restauração de ecossistemas como um processo para transformação socioecológica”) argumenta que, para que os benefícios da restauração sejam amplamente distribuídos, é preciso que os projetos de restauração saiam de uma lógica de projeto e se insiram mais amplamente na paisagem social.  O conteúdo desse trabalho, apresentado na 10a Conferência Mundial sobre Restauração Ecológica, sugere que o processo no norte do Espírito Santo é ainda um caso isolado. Como garantir que a restauração que será feita de hoje em diante olhe também para as pessoas durante o processo? 

O Business-as-usual da restauração 

O agravamento da crise climática e a necessidade de mitigar emissões e adaptar a sociedade para eventos climáticos extremos colocou a restauração de paisagens e florestas na linha de frente das políticas ambientais do mundo. Isso acontece porque a restauração é um caminho de recuperar paisagens, sequestrar carbono da atmosfera e tornar ambientes mais resilientes a eventos extremos.  

Compromissos ambiciosos foram feitos por países, empresas e organizações. Mais de 60 países se comprometeram a restaurar 200 milhões de hectares até 2030 no Desafio de Bonn, por exemplo, grandes empresas incluíram o reflorestamento em seus planos ambientais, sociais e de governança (ESG), e os países definiram, em processo multilateral na Conferência Internacional da Biodiversidade, na meta de restaurar 30% dos ecossistemas degradados do mundo até 2030. 

Apesar dos bons avanços, esses compromissos em geral colocam grande foco na dimensão ecológica da restauração, sem olhar a paisagem como um todo e seus aspectos sociais.  

Esse cenário leva ao “business-as-usual" da restauração: um modelo predominante em que a restauração é feita com uma visão de projeto. Esses projetos acabam sendo tipicamente limitados em tempo, espaço e orçamento, geralmente circunscritos a escalas pequenas e de curto prazo (5-10 anos). Além disso, são implementados de “cima para baixo” por tomadores de decisão governamentais ou não-governamentais.  

Esse modelo tem suas qualidades, e promoveu resultados importantes em termos de aumento da cobertura florestal. Porém, esses resultados devem ser monitorados no longo prazo e podem ser frágeis e impermanentes a depender da situação social e política. As pessoas só vão contribuir e valorizar esses projetos se os fatores locais foram levados em consideração.  

Olhando a restauração como processo 

O estudo sugere que a restauração seja feita a partir de uma abordagem processual, que considere as complexas dimensões sociais e políticas de diferentes atores, e incorpore essas relações no planejamento e implementação. Ver a restauração como processo significa integrar as dimensões sociais, econômicas e ecológicas logo no começo, permitindo considerar múltiplos projetos, atividades econômicas já existentes ou a ser criadas, contextos sociais e culturais, e diversos outros elementos que estenderão benefícios para além de projetos com começo, meio e fim.  

Como essa teoria pode se parecer na prática? O estudo apresenta alguns casos positivos já existentes, como um caso de Madagascar, em que as pessoas estiveram no centro da governança da restauração, ou da Austrália, que incluiu indicadores de empregos em comunidades regionais em processos de restauração. Além disso, o estudo dá grande destaque para o trabalho de restauração que está sendo desenvolvido no Espírito Santo.  

O estado do Espírito Santo já é um líder de restauração na Mata Atlântica, sendo o primeiro a estabelecer uma política de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) estadual, o programa Reflorestar. O estado também aplicou a metodologia ROAM, que identificou que a porção norte tinha a menor cobertura florestal e que a escassez de água poderia ser um vetor para mobilizar ações de restauração.  

O WRI Brasil e parceiros, por meio do projeto Pró-Restaura, apoiou ações de restauração a partir de uma abordagem processual no norte do estado. Para garantir a participação dos atores locais, foi desenvolvido um processo para incorporar as motivações e informar as oportunidades da restauração. O engajamento social de diversos atores – incluindo associações de produtores rurais, organizações locais e o poder público municipais e estadual – levou a criação de planos e guias de restauração no estado, facilitando aos produtores o acesso aos recursos do programa Reflorestar. Mais do que isso, o processo atraiu a atenção de ONGs e empresas interessadas em restaurar florestas, atraindo investimentos para a região.   

Restauração como uma ferramenta da transição justa 

As abordagens de restauração tradicionais foram importantes e têm seu papel, mas são insuficientes dado ao enorme desafio de restaurar paisagens e florestas no mundo. Porém, incorporando as dimensões sociais e de governança nesses projetos, podemos não só distribuir melhor os benefícios da restauração entre todos os autores envolvidos como também garantir a permanência de áreas restauradas e até mesmo promover empregos verdes e renda para a população local. Na Década da ONU da Restauração de Ecossistemas, trazer as pessoas para o centro do processo será crucial para garantir uma transição ecológica justa e sustentável no Brasil e no mundo.  

*Anazelia Tedesco é doutoranda pela Universidade de Queensland.