Sinistros de trânsito são a terceira principal causa de mortes prematuras no Brasil. Entre 2015 e 2019, cerca de 100 pessoas por dia perderam a vida no trânsito brasileiro. Para mudar esse cenário, desde 2018 o país conta com um plano de metas focado em reduzir o índice de mortos no trânsito. Agora, o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) foi revisado e aprimorado, com a inclusão de princípios e ações que alinham o país à agenda global de segurança viária e reiteram o compromisso de reduzir em pelo menos 50% as mortes no trânsito brasileiro até 2028.

As ações e metas previstas no novo Pnatrans têm o potencial de preservar 86 mil vidas no período. Os gastos evitados com saúde pública e previdência chegariam a R$ 290 bilhões. Além da redução de mortes e lesões, o plano também busca aumentar em, ao menos, 20% a participação de modos ativos na mobilidade urbana do Brasil.

Lançada oficialmente em 17 de setembro de 2021, a revisão incorporou conceitos de Visão Zero e sistemas seguros, abordagens que partem do princípio de que seres humanos cometem erros, e a responsabilidade por evitar feridos e mortos no trânsito é compartilhada entre quem utiliza, projeta, constrói e fiscaliza o espaço viário.

Trabalho coletivo por ações baseadas em evidências

Para promover sistemas seguros, o governo, em todas as suas esferas, deve agir de forma integrada e proativa para evitar que erros cometidos no trânsito resultem em mortes ou ferimentos graves. Da infraestrutura ao socorro às vítimas, passando por fiscalização e educação, a gestão da mobilidade segura envolve múltiplos órgãos governamentais, bem como o setor privado e a sociedade civil organizada. A revisão reuniu esses atores, trabalhando de forma coordenada. Assim, tem o potencial de alinhar a atuação de áreas e setores distintos em torno de objetivos comuns.

Mais de cem especialistas, 50 órgãos e entidades e diferentes setores da sociedade colaboraram para a construção, por meio da criação de seis grupos de trabalho (GTs), reuniões com organizações sociais e técnicas, e mecanismos de participação social. O WRI Brasil apoiou a coordenação das atividades, no âmbito da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global, e orientou os GTs a proporem ações cuja efetividade para reduzir mortes e lesões no trânsito seja baseada em evidências, como a adequação de limites de velocidade e o incentivo a modos mais seguros e sustentáveis, como o transporte coletivo. A Vital Strategies também deu apoios importantes de comunicação e coordenação da revisão técnica e do lançamento.

A articulação do Pnatrans a outras políticas de trânsito e mobilidade, como a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e o Código Brasileiro de Trânsito (CTB), subsidia a operacionalização das ações previstas nessa composição de estratégias e normativas. O plano fortalece o avanço institucional conjunto dessas políticas e se coloca como uma alternativa para a execução das ações orientadas pelos sistemas seguros.

A revisão foi aprovada sem ressalvas pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) e ratificada pelo Ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. O Pnatrans será gerido pela Secretaria Nacional de Trânsito (SENATRAN), criada em substituição ao Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN).

Os seis pilares do novo Pnatrans

O plano de ações do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito é dividido em seis pilares e agrupa as ações em iniciativas que destacam as áreas de atuação prioritárias. As ações possuem conjuntos claros de entregas – seus produtos – que podem ser monitoradas a partir de metas e indicadores específicos.

Além do monitoramento constante da implementação do plano, são previstas avaliações anuais do cumprimento das metas e ciclos bianuais de revisão, fundamentais para garantir ciclos virtuosos da política pública.

1. Gestão de Segurança no Trânsito

O primeiro pilar do plano de ações fortalece a gestão integrada da segurança viária nos diferentes níveis de governo e estimula o engajamento político e social sobre o tema e o compromisso com investimentos para salvar vidas. Para tanto, propõe ações como reuniões periódicas entre atores-chave, parcerias, formação de grupos de trabalho e viabilização de financiamento. Uma das iniciativas, chave para a formulação e execução de estratégias de segurança viária no país, busca melhorar os processos de tratamento de dados e consolidar o Registro Nacional de Estatística de Trânsito (RENAEST), sistema cujo objetivo é efetivar uma base nacional com dados estatísticos de todos os órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito (SNT).

2. Vias Seguras

O desenho das vias contribui diretamente para o risco de mortes e lesões no trânsito. O pilar "Vias Seguras" prevê adequação da classificação viária e dos limites de velocidade às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foram incorporadas ao plano diretrizes para boas práticas em infraestrutura segura, prevendo revisão ou novas regulamentações de componentes de infraestrutura, e a elaboração de manuais técnicos específicos que contribuam para a implementação de sistemas seguros. Também prevê a criação de programas que multipliquem a implantação de infraestrutura para mobilidade sustentável, priorizando pedestres, ciclistas e usuários de transporte coletivo, conforme diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU).

3. Segurança Veicular

Apesar de terem cascos idênticos, os veículos vendidos no Brasil são fabricados segundo parâmetros menos seguros do que os comercializados em países europeus, por exemplo. O novo Pnatrans incorpora os parâmetros mais seguros recomendados pela ONU, buscando adequar o Brasil aos regulamentos técnicos e melhores práticas mundiais em segurança de veículos. Esses elementos contribuem decisivamente para o grau de severidade de um sinistro de trânsito e estão em constante evolução tecnológica. Este pilar prevê o avanço das discussões e da normatização no Brasil de tecnologias emergentes para o trânsito, como a futura circulação de veículos autônomos e o uso de sistemas embarcados nos veículos. Ainda, reforça o aprimoramento constante dos itens de segurança veicular e equipamentos para usuários vulneráveis, como os capacetes para motociclistas.

4. Educação para o Trânsito

O novo Pnatrans fomenta ações de educação para o trânsito com resultados de impacto para o curto e médio prazo na redução de mortes e lesões no trânsito, em contraponto à abordagem tradicional cujos efeitos tendem a ser de mais longo prazo. Para colher resultados imediatos, a abordagem de sistemas seguros reforça a importância do engajamento da imprensa e de campanhas de mídia de massa baseadas em evidências, coordenadas com esforços de fiscalização para a mitigação de comportamentos de risco e com a capacitação dos próprios agentes públicos sobre a abordagem de sistemas seguros.

5. Atendimento às Vítimas

O tempo de atendimento a vítimas envolvidas em um sinistro de trânsito é crítico para reduzir o risco de morte ou lesão grave. Por isso, a prestação de socorro deve ser coordenada entre as diferentes áreas de especialidade dentro da estratégia geral de segurança viária, entre eles socorristas, agentes de trânsito e hospitais. A interlocução com as pastas da saúde durante o processo de revisão e o alinhamento a outras políticas de atendimento a vítimas existentes permitiram ao novo Pnatrans fortalecer a abordagem integrativa para um sistema seguro.

6. Normatização e Fiscalização

Este pilar propõe a discussão e normatização de temas sensíveis sobre segurança viária com a sociedade civil e órgãos legislativos. As ações se concentram nos fatores de risco mais relevantes para a segurança viária – como o excesso de velocidade e o consumo de álcool e outros psicoativos – e fomentam operações efetivas de fiscalização, utilizando estratégias de dissuasão. Parte dessa estratégia é um alinhamento profundo entre as ações de fiscalização e a difusão das campanhas de mídia, educação e capacitação.

Uma estratégia nacional para salvar vidas

O compromisso do Brasil com a mobilidade segura ganha um novo capítulo, com uma política nacional alinhada ao objetivo da Segunda Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU de reduzir à metade as mortes no trânsito. As ações de órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) passam a ser norteadas por um plano que incorpora abordagens e ações alinhadas às melhores práticas internacionais, com o potencial de salvar milhares de vidas.

Incidir sobre um planejamento urbano que, por décadas, tem sido orientado à mobilidade veicular privada é um desafio. Novos paradigmas, como a priorização da mobilidade sustentável e a gestão de velocidade dos veículos, precisam ser adotados na prática, não apenas em leis e manuais.

Os bons exemplos que se acumulam no Exterior podem fortalecer o avanço dessas medidas no Brasil. Paris e Bruxelas mostraram recentemente que é possível criar ambientes seguros para todos os usuários das vias estabelecendo um limite máximo de 30 km/h nas vias urbanas, principalmente em áreas de maior tráfego de pedestres e ciclistas. A infraestrutura segura e confortável para a mobilidade ativa também se mostrou um importante fator de resiliência para muitas cidades durante a pandemia.

Um dos trunfos do novo Pnatrans é o exercício colaborativo de múltiplos agentes do governo e da sociedade civil que trabalharam na revisão. Será fundamental manter o monitoramento e a avaliação do plano, além da articulação e do engajamento desses agentes em torno do objetivo comum de preservar vidas.


*Diogo Dias Lemos é coordenador de Mobilidade e Desenho Urbano da Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global