Cidades brasileiras têm implementado programas e políticas públicas de soluções baseadas na natureza (SBN) e mostrado que é possível enfrentar desafios urbanos e ambientais mesmo em um contexto financeiro adverso. Ao promoverem integração efetiva das agendas ambiental e urbana, as SBN permitem às cidades retomar a economia com investimentos eficientes, gerando benefícios como resiliência e inclusão e qualificando o planejamento urbano.

Por definição, soluções baseadas na natureza são soluções inspiradas e mantidas pela natureza que oferecem múltiplos benefícios ambientais, sociais e econômicos. Apesar do ótimo custo-benefício, projetos de infraestrutura verde, como também são chamados, são um desafio para administrações municipais. Os gargalos são conhecidos: pouco conhecimento técnico sobre as soluções e sua aplicação, carências de dados e recursos humanos, planejamento, metas e priorização, além do desafio político de promover integração entre secretarias e órgãos diversos, cada um com demandas e urgências próprias.

Guia de Infraestrutura Verde

Um dos desafios para que as SBN sejam incorporadas no planejamento é capacitar gestores para identificar áreas com maiores déficits de funções ambientais e escolher as soluções adequadas. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, lançou recentemente o Guia Metodológico para Implantação de Infraestrutura Verde. A publicação detalha serviços ambientais prestados por diferentes tipos de SBN, como canteiros pluviais, jardins de chuva e biovaletas e recomenda as soluções adequadas a cada local e escala.

Felizmente, algumas cidades brasileiras que testaram SBN têm consolidado os projetos em políticas públicas capazes de inspirar outras cidades a adotar essas soluções. É o caso de Sobral (CE) e Anápolis (GO), que recentemente apresentaram seus programas integrados de infraestrutura natural em reuniões da iniciativa Cities4Forests (leia mais abaixo). Ao incorporar SBN no planejamento e na legislação, as cidades garantem a continuidade dessas ações. Os bons exemplos mostram que enfrentar os gargalos vale a pena e que um mesmo projeto de SBN pode trazer resultados efetivos para áreas tão diversas quanto saúde, lazer, segurança alimentar, geração de renda, segurança pública, saneamento e combate a enchentes e mudanças climáticas.

Com o Pró-Água, Anápolis semeia recursos hídricos

Em 2017, Anápolis, em Goiás, iniciou um programa que hoje é referência de como é possível responder simultaneamente a dois grandes desafios hídricos enfrentados pela cidade: a falta de água (e as altas temperaturas) durante a estiagem, e as enchentes no período de chuvas. Vinculado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Habitação e Planejamento Urbano, o Programa Pró-Água busca equilibrar o ciclo hídrico da cidade, recuperando nascentes e Áreas de Proteção Permanente (APP) com restauração florestal, em parceria com proprietários rurais, entidades, empresas e instituições de ensino.

O Pró-Água já recuperou 123 nascentes, plantou mais de 250 mil mudas de árvores nativas do Cerrado, instalou viveiros, jardins sazonais (foto abaixo), pomar, cacimbas para canalizar a água da chuva para o lençol freático, além de jardins de chuva em pontos críticos de alagamento na cidade. Uma compostagem municipal converte em matéria fértil 25 toneladas de resíduos orgânicos e 5 toneladas de galhos de podas diariamente, gerando economia de R$ 20 mil reais por mês para os cofres públicos. Os eixos de atuação articulam agendas como conservação de recursos hídricos e da biodiversidade, educação ambiental para redução do risco de queimadas e segurança alimentar.

<p>trabalhador molhando plantas em um jardim</p>

Jardins sazonais estão entre soluções baseadas na natureza implementadas em Anápolis (foto: Pró-Água)

Diante dos bons resultados iniciais, Anápolis regulamentou o Pró-Água neste ano. A regulamentação é um fato a ser comemorado: ao se instituir programas e convertê-los em política pública, garante-se sua permanência para além dos mandatos políticos, possibilitando o planejamento, estabelecimento de metas e captação de recursos para a continuidade das ações a médio e longo prazo.

Em Sobral, Prodesol é exemplo de integração

O Parque Pajeú, na cidade cearense de Sobral, é um exemplo concreto de planejamento integrado gerando soluções com benefícios múltiplos. Antes escura e degrada, a área de 51 mil m² tornou-se um parque atraente, com iluminação pública adequada. O projeto também atendeu demandas de lazer, educação, esporte, mobilidade e saúde. Houve plantio de novas árvores que melhoram o microclima e a drenagem, e a construção de academias, playgrounds e campo de futebol. Um jardim filtrante, que trata esgoto de forma natural e sustentável, também foi integrado ao paisagismo do parque.

A qualificação do Pajeú é um dos cartões de visita do Programa de Desenvolvimento Socioambiental de Sobral (Prodesol), criado em 2018 para melhorar a qualidade dos serviços públicos e o desenvolvimento socioambiental do município integrando investimentos em infraestrutura de saneamento ambiental à ampliação de equipamentos sociais e a requalificação de espaços públicos.

Com recursos captados junto ao Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e com contrapartida da prefeitura, o programa contempla uma série de outras ações com os mesmos objetivos em toda a cidade, com foco nas áreas mais vulneráveis e com maior déficit de infraestrutura e equipamentos públicos.

Pelo caráter integrado, projetos de SBN tendem a ser compatíveis com as diretrizes de planos e políticas existentes, e novos programas podem ser estruturados a partir das metas e ações planejadas nessas políticas ou ser instituídos por legislação própria. É o caso do Prodesol, que se vale dos planos diretor e de coleta seletiva, resíduos sólidos, arborização, mobilidade urbana, educação ambiental, segurança pública e saneamento, para executar ações de forma integrada.

Em Goiânia, jardins de chuva são política pública

Jardins de chuva melhoram o escoamento das chuvas (foto: Prefeitura de Goiânia)

Outro exemplo que vem de Goiás são os jardins de chuva que a capital, Goiânia, começou a implantar em 2019. Os primeiros pilotos foram construídos em rotatórias próximas a locais críticos de alagamento da cidade. Os jardins possuem um anel externo de grama e um canteiro central com espécies nativas do Cerrado que requerem pouca manutenção.

A experiência deu tão certo que a cidade fez dos jardins de chuva uma política pública. Um projeto de lei aprovado recentemente “institui o jardim de chuva nas rotatórias, calçadas e canteiros centrais na cidade de Goiânia, melhorando o escoamento e absorção de águas pluviais”.

A lei aponta os múltiplos benefícios dos jardins de chuva que, além da acomodação das águas, aumentam a beleza paisagística e podem inclusive ser integrados em intervenções para redução de velocidade veicular nas vias. O texto estabelece os casos em que jardins de chuva devem ser implementados, como em novos empreendimentos que impermeabilizem áreas superiores a 500 m² e em calçadas de edifícios públicos. O não cumprimento da lei prevê multas, que terão a arrecadação destinada para a instalação de novos jardins de chuva.

Floripa é referência em agricultura urbana sustentável

Florianópolis tem um programa de incentivo à agricultura urbana. Regulamentado neste ano, o Programa Municipal de Agricultura Urbana de Florianópolis, ou Cultiva Floripa, foi criado em 2017 para fortalecer a agricultura sustentável na capital catarinense. O programa prevê a implementação de hortas urbanas em áreas verdes de lazer e em prédios públicos, além de criar espaços de produção de mudas e compostagem, promover a produção de orgânicos e a recuperação de áreas degradadas de mata.

Essas ações integradas contribuem para a melhoria das condições nutricionais, de saúde, lazer e saneamento. Valorizam a cultura, a interação comunitária, a educação ambiental e o cuidado com o meio ambiente. Também geram emprego e renda, promovem o turismo de base comunitária, a melhoria urbanística da cidade e a sustentabilidade.

Em termos de planejamento, a lei considera e compatibiliza as ações da Política Municipal de Agroecologia e Produção Orgânica, o Plano Integrado de Saneamento Básico e o de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Um dos destaques do Cultiva Floripa é a gestão compartilhada de quinze órgãos da administração municipal como estratégia de fortalecimento da política. Um exemplo de resultado dessa integração são as hortas institucionais em 60% das Unidades Básicas de Saúde e as mais de 100 hortas comunitárias e escolares do município.

Exemplos a serem replicados

Para que essas soluções sejam assimiladas pelos municípios como possibilidades reais para solucionar problemas das cidades brasileiras, é preciso avançar. Incorporar SbN em políticas públicas nos diversos níveis, criar referências e parâmetros locais, para avaliar qual melhor alternativa para cada território, de forma participativa e cocriada com as comunidades a serem beneficiadas.

Os exemplos de Anápolis, Florianópolis, Goiânia e Sobral mostram como soluções baseadas na natureza são adaptáveis a diferentes escalas e contextos. Dar visibilidade para iniciativas e políticas como essas pode contribuir para a disseminação dessas soluções integradas e inteligentes, e estimular outras cidades a investir em infraestruturas verdes, que adotem SbN e se beneficiem dos múltiplos benefícios que elas geram.