As tecnologias para mapeamento do uso e da cobertura da terra são importantes aliadas das políticas públicas no Brasil e no mundo. Graças a elas, conseguimos monitorar, por exemplo, o desmatamento da vegetação nativa, como a floresta amazônica, gerar alertas para equipes de fiscalização combaterem a ilegalidade na abertura de novas áreas, comparar as taxas de desmatamento e queimadas em diferentes países, identificar áreas degradas no mundo e, mais recentemente, identificar áreas de restauração, reflorestamento e regeneração natural no Brasil.

Uma nova técnica, apresentada no final de 2021 pelo World Resources Institute, deu um passo adiante. Além de monitorar áreas de cobertura florestal, ela apresentou uma metodologia para identificar árvores fora de florestas densas. Esses novos resultados, ainda que preliminares, são importantes porque nos ajudam a conhecer melhor os benefícios que essas árvores — que geralmente passavam despercebidas — trazem, por exemplo, para adaptação às mudanças climáticas, melhoria de sistemas produtivos e serviços ecossistêmicos.

Além disso, esses novos dados abrem um grande leque de oportunidades para agir para além de áreas específicas, conectando diferentes usos que uma paisagem pode ter.

O que são paisagens-mosaico?

Por muito tempo, olhamos a paisagem de forma segmentada. Pensamos separadamente em medidas e políticas para cada uso do solo. Dessa forma, criamos políticas que muitas vezes não se conversam entre si. Por exemplo, uma política específica para a agricultura pode não ter relação nenhuma com outra, voltada para áreas florestais, que por sua vez não conversa com medidas para abastecimento ou área urbana, e assim por diante.

Na realidade do campo, no entanto, essas coisas não estão separadas. Uma mesma área pode ter pastagem, área de cultivo, floresta, entre outros. Quando olhamos a paisagem como um todo, percebemos que ela é um grande mosaico em que a terra é utilizada de múltiplas formas, composta por diversos elementos que se conectam: florestas, agricultura, indústrias, cidades, pecuária, pessoas. Ao entender essas paisagens como mosaico, conseguimos identificar oportunidades que não seriam aproveitadas quando observamos apenas um desses elementos.

É nesse contexto de entender a paisagem como um mosaico que a nova ferramenta do WRI se torna mais importante. Árvores não existem apenas nas florestas. Elas podem trazer benefícios para uma pastagem, ao gerar sombra para o gado; para a produção agrícola, em modelos como os sistemas agroflorestais; e podem prover serviços ecossistêmicos importantes, incluindo o sequestro de carbono da atmosfera.

O WRI Brasil está trazendo essa tecnologia para identificar as árvores nas paisagens-mosaico no estado do Espírito Santo e no bioma Caatinga, abrindo novos caminhos para políticas públicas de restauração.

Olhando as árvores no Espírito Santo

O Espírito Santo é um estado com importante cobertura florestal. Inserido no bioma Mata Atlântica, essas florestas estão bem mapeadas a partir de ferramentas como o MapBiomas, a aplicação da ROAM e o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo. Porém, a cerca de 70% do uso do solo do estado não é florestal – incluindo pastagens, produção agrícola e área urbana.

A partir de uma parceria, o WRI Brasil utilizou também outra tecnologia de monitoramento para identificar as árvores em paisagens-mosaico no estado. Nesse trabalho, o estado foi divido em 11 mil pontos de amostragem para identificar a mudança do uso do solo em três anos específicos: 2010, 2015 e 2020. O mapeamento mostrou que a quantidade de árvores fora de florestas densas teve um aumento modesto no estado entre 2010 e 2020, mas com resultados relevantes para as bacias do Itaúnas e São Mateus, no norte do estado, consideradas prioritárias para a restauração.

O Espírito Santo possui um inovador programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), o Reflorestar, que incentiva produtores rurais a recuperar a vegetação nativa, por exemplo em Áreas de Preservação Permanente (APPs). Identificar árvores nessas áreas por satélite ou outras formas de monitoramento – e distingui-las de outros usos – pode ser fundamental para que o estado direcione recursos para quem precisa.

Monitorando as árvores na Caatinga

Outra paisagem em que o WRI Brasil utilizará o monitoramento de árvores nas paisagens-mosaico é no semiárido. No bioma Caatinga, o desafio é ainda maior. Por não ser um bioma florestal com cobertura densa de árvores, nem todas as ferramentas conseguem avaliar o papel das árvores na agricultura local.

Mas elas estão presentes e são importantes. Em Pintadas, na Bahia, por exemplo, um trabalho do WRI Brasil com a cooperativa Ser do Sertão identificou espécies nativas da região que estão sendo preservadas e utilizadas por produtores e produtoras rurais. São árvores como o umbuzeiro, a quixabeira, a catingueira e muitas outras. Essas espécies são utilizadas por comunidades em função de seu potencial alimentício para humanos, animais e até para o uso como inseticidas e medicamentos. Além da segurança alimentar, a existência dessas árvores tem papel no desempenho dos serviços ecossistêmicos como a melhora da qualidade do solo e da água.

As questões sociais e econômicas, aliadas a baixa disponibilidade hídrica, impactam a vida de milhares de pessoas que vivem nesse bioma. A exploração madeireira se torna uma fonte de renda, sendo utilizada como matriz energética por 70% das famílias que vivem na região. O monitoramento de árvores nessa paisagem pode fornecer dados importantes para implementação de ações e programas que valorizem outros usos que podem agregar valor e garantir a manutenção de serviços ecossistêmicos fundamentais para manutenção da vida nesse bioma.

O semiárido brasileiro é hoje uma das áreas mais vulneráveis às mudanças do clima no país. Estima-se que a temperatura na Caatinga até o final do século aumente entre 3,5 e 4,5ºC e que a precipitação diminua pela metade (entre 40 e 50%). Isso torna cruciais as árvores inseridas em sistemas agrícolas e pastagens, uma vez que elas ajudam o produtor rural a se adaptar ao clima extremo. Identificar essas árvores nas paisagens-mosaico pode ser chave na definição de políticas para a adaptação climática na região, através de um sistema de manejo e produção sustentável que evite a exploração desordenada dos recursos naturais e conserve a vegetação nativa, estimulando o desenvolvimento de uma economia não predatória.

árvores na caatinga Paisagem da Caatinga em Pintadas, Bahia. Bioma não-florestal pode se beneficiar de novas formas de monitoramento de árvores. Foto: Luiz Fernando Ricci/WRI Brasil.

Desafios e olhar para frente

Claro que o objetivo não é que o uso dessas ferramentas fique confinado a essas duas paisagens. Pelo contrário. A partir da experiência e dos aprendizados no Espírito Santo e na região da Caatinga, a ideia é que o monitoramento de árvores em paisagens-mosaico possa ser aplicado em outros biomas. Isso expandirá nosso conhecimento sobre as paisagens, colaborando para construir um grande mapa sobre todas as árvores no país e seus benefícios para o clima e a sociedade.

É importante que esse processo não aconteça de cima para baixo. Tornar as metodologias de monitoramento mais participativas é essencial para dar autonomia e poder de decisão. Para chegar lá, é preciso aliar os atores locais, as associações e as comunidades às tecnologias de mapeamento em um trabalho conjunto que envolve satélites e conhecimento local e tradicional.